Curta Paranagua 2024

O Fim da Viagem, O Começo de Tudo

A forma em tempo na poesia de Kurosawa

Por Vitor Velloso

O Fim da Viagem, O Começo de Tudo

Kiyoshi Kurosawa (“Cure”, “Pulse” e “Antes que tudo desapareça”) é um dos diretores mais peculiares em atividade, não só pela sua intensa produção, mas por possuir uma obra que contém uma versatilidade invejável e uma característica bastante singular para cada filme.

“O Fim da Viagem, O Começo de Tudo” não é diferente, neste sentido. O cineasta consegue aplicar uma encenação que além de ser eficiente na proposta do filme, é ágil em conceber elementos de Mise-en-scène de diversas “vertentes” cinematográficas diferentes. Na primeira cena, uma câmera flutuante vai revelando a geografia de um cômodo e a protagonista, em seguida, na mesma cena, sentimos o peso do Japão na câmera, o tripé encontra seu ponto e o luxo de movimento é uma pan.

Mais a frente temos uma três câmeras em ação ao mesmo tempo, a dos jornalistas da trama, a que está na mão da protagonista e a do filme que estamos vendo, que não faz questão de se manter isenta da cena, pois é uma Gopro acoplada ao corpo da atriz. Essa capacidade de compor diferentes encenações, com recursos distintos e uma verve para captar a poesia e a crueldade das decisões humanas, em meio social, é uma marca do diretor, que se mantém aqui de maneira ainda mais concreta, pois assimila tais questões com a matéria de produção da obra, não à toa, é um filme que vai falar da expressão artística sendo retida por um agente exterior ao próprio artista. Porém, é honesto o suficiente em admitir que tal arte pode, e é, engessada por uma decisão que pode partir do próprio criador.

E neste sentido é tocante ver como a montagem do longa é eficiente em captar o tempo certo da encenação de Kurosawa, pois consegue flexibilizar o espaço criado pelo cineasta, na tela em estrutura narrativa, que otimiza o processo. “O Fim da Viagem, O Começo de Tudo” é lento por natureza e precisa desse esgarçamento dos planos para que o espectador consiga absorver o apelo lírico que uma história comum consegue transmitir, ainda que tal característica seja bastante clara na cena do Teatro, mas o público consegue diluir isso em pausas maiores. Isso só é possível pela música que invade a estrutura imagética como um bisturi, é precisa mas discreta, sabe a hora de entrar e sair.

A consciência cinematográfica de Kurosawa o permite expor o patético de uma situação, soando cômico e grosseiro ao mesmo tempo, sabendo dosar bem a comicidade e um certo sadismo em observar aquilo e ainda fazer com que nos sintamos culpados pela farsa que a imagem é. Seja cinema, seja TV. Nesta questão, outro objeto de afrontamento que a obra dá luz, é como uma imagem sem contexto e informação clara, seja por sensacionalismo ou incompreensão cultural, pode nos enganar, ainda que seja verdade. Esbarrando na hiper-realidade discutida na contemporaneidade.

No terceiro ato, há um breve sentimento de perda da lógica criada anteriormente, mas o diretor consegue deixar clara a necessidade desta meandro dramático, com uma frase assustador, mas potente: “Você tem tanto medo de nós assim?”. A frase rasga a estrutura do filme, desestabiliza a atmosfera e cria a necessidade de se reinventar, tal qual a personagem. Quando se encontra, possui a consciência direta e limpa de quem compreendeu a função naquilo que se propôs, ou que nasceu para, se liberta, assume a poesia, o tempo e a expressão contra o objeto. A cena mais bela do longa, pois concretiza aquilo que buscou durante seus cento e vinte minutos de projeção, em um plano, uma expressão facial. E todos os louros a Atsuko Maeda.

Não é a maior obra de Kiyoshi Kurosawa, mas sem dúvida uma das mais sinceras e que compreende bem o papel que o diretor ali exerce sobre a narrativa deste “O Fim da Viagem, O Começo de Tudo”. Sem dúvida não é acessível à todo público, pois exige um engajamento honesto do espectador com toda a proposta que se projeta na tela, do tempo arrastado à diálogos aparentemente banais que se revelam relevantes posteriormente, mas recompensa quem adentra no olhar sensível do diretor.

 

4 Nota do Crítico 5 1

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