Curta Paranagua 2024

O Cangaceiro da Moviola

A película e a peixeira

Por Vitor Velloso

Durante a Mostra de Tiradentes 2023

O Cangaceiro da Moviola

A constante presença de lendas do cinema brasileiro é uma das características da Mostra Olhos Livres. Mas “O Cangaceiro da Moviola”, dirigido por Luís Rocha Melo, traz uma das figuras mais carismáticas e importantes da história do cinema nacional, Severino Dadá. Severino trabalhou nas montagens de filmes como: “O Amuleto de Ogum” (1974), de Nelson Pereira dos Santos, “Nem tudo é verdade” (1986), de Rogério Sganzerla, “A$$untina das Amérikas” (1976), de Luiz Rosemberg Filho, “Abolição” (1988), de Zózimo Bulbul, “Tenda dos Milagres” (1977), de Nelson Pereira dos Santos. 

O documentário não pretende ser uma biografia de Severino, mas sim uma apresentação dessa carreira tão brilhante que o montador conseguiu construir. Assim, o espectador tem uma dimensão de como a história do cinema brasileiro se confunde com parte do percurso de nosso protagonista. 

A paixão pelo cinema é um eixo que guia o diretor desde os primeiros minutos de projeção, procurando nas imagens de arquivo alguma representação que possa complementar as falas de Dadá sobre o início de sua vida. Essa escolha traz consigo parte da característica da obra, uma enorme tentativa de reconstrução de contextos e histórias. Por outro lado, acaba sem grande efetividade prática, pois são imagens breves, sem tanta força nessa contextualização. E essa questão está presente em boa parte da projeção inicial de “O Cangaceiro da Moviola”, tornando-se particularmente burocrático ao partir da infância, tratar de como ocorreu seu primeiro contato com cinema, pessoas conhecidas, reencontros etc. Assim, essa necessidade de tentar encontrar o cinema nos primeiros anos da vida de Dadá, soa como uma projeção dessa paixão aguda pelo cinema em si, sem que haja contribuição para a construção. Além da perda grave de ritmo, os zooms e deslocamentos nas fotografias, dão uma má impressão do trato desses arquivos. 

Porém, após essa apresentação um tanto aborrecida, o longa melhora significativamente quando inicia a jornada pela carreira cinematográfica de Dadá, pois torna-se mais pragmático, seja por uma escolha própria ou pela tentativa de cobrir a enorme filmografia. O ritmo se recupera e o material de arquivo já não carrega mais esses vícios de apresentação, aproximando mais a voz em off dos registros fotográficos do cineasta. Logo, não há mais uma cartilha programada nessa tentativa de síntese da memória e sim um manifesto sincero de admiração. 

Luís não se debruça sobre as características que transformaram Dadá em um grande montador. Não há menção sobre suas técnicas, percepções, sensibilidades, apenas a exposição da forma mais sintética e direta que o filme poderia comportar. Nesse sentido, apesar de uma grande homenagem, que cumpre, parcialmente, um didatismo importante, “O Cangaceiro da Moviola” não parece convencer o espectador não-cinéfilo, da importância de seu personagem para o cinema brasileiro, apenas demonstra sua participação profícua. Por isso, seu didatismo é parcialmente efetivo, pois parece assumir que o público já conhece todas as obras que são citadas e já compreende qual a contribuição de Dadá para o cinema, mas esse caminho apenas demonstra o quão protocolar o filme se torna. 

Sem dúvida, Luís Rocha Melo contribui para preencher uma importante lacuna do cinema brasileiro, mas acaba pecando no trato da enorme quantidade de material de arquivo que possui, transformando esse processo em algo mais tedioso que apoteótico. Especialmente em um documentário sobre um dos montadores mais importantes da história do cinema nacional, a montagem tornou-se tão burocrática, que uma das coisas mais comentadas depois da exibição era como um longa “sobre o Severino Dadá, pode ser tão arrastado?”. Isso apenas reforça que existe uma grave questão que envolve a concepção estética do filme. Soa como um projeto acadêmico que ganhou forma cinematográfica, mas não foi capaz de fazer a transição sem soar frágil demais. Um excelente trabalho de pesquisa, que precisava de um cuidado maior na montagem. 

Assistir na 26ª Mostra de Tiradentes foi particularmente especial por conta da presença do próprio Dadá na sessão do Cine-Tenda. E por sorte, ele estava sentado na cadeira atrás de mim, fazendo constantes comentários de coisas que os personagens falavam dele, como: “Isso é exagero”, “Isso é mentira”. Isso acabou ajudando a atravessar esse projeto que se arrasta e burocratiza a carreira de uma lenda do cinema brasileiro. 

3 Nota do Crítico 5 1

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