O Bar Luva Dourada
Provérbios reais
Por Fabricio Duque
Festival de Berlim 2019
Exibido na mostra competitiva oficial do Festival de Berlim 2019, o novo filme do cineasta alemão Fatih Akın (de “Em Pedaços”, “Contra a Parede”, “Soul Kitchen”), “O Bar Luva Dourada”, é um filme provérbio (de ressignificação das máximas populares), conduzindo o espectador por um boêmio universo paralelo, “meio rústico”, de tempo suspenso com tipos-personagens orgânicos, deprimentes, completamente à margem e cúmplices em suas humilhações, frequentadores de um bar que não possui janelas para “não atrapalhar a experiência com os raios do sol”, ora “afundam”, ora “flutuam”.
Baseado no romance alemão homônimo do autor Heinz Strunk, que lançou em 2016, “O Bar Luva Dourada” é uma imersão não suavizada na vida de um serial killer, que o humaniza quando apresenta suas limitações, vulnerabilidades e sua busca desenfreada pelo “anjo que cheira tão bem que parece dourada”. Sua narrativa busca potencializar e exportar o que de mais interno e sórdido há no mais íntimo do ser humano, principalmente quando se comportam como indiferentes mortos vivos. Em uma melancolia resignada e com perda da perspectiva do futuro, que para cada um deles é o momento presente: hostil, agressivo, bêbado, de ressaca e de submissão a migalhas ofertadas.
“O Bar Luva Dourada” tem estrutura cinematográfica semelhante a dos filmes do leste europeu (principalmente a do diretor Roy Anderson e sua “Trilogia do ser humano”; a do cineasta Aki Kaurismäki; e a “Maldição”, de Béla Tarr) em que a fisiologia do grotesco forma a sensação do nosso olhar. Nós somos aprisionados na década de setenta, na cidade de portuária de Hamburgo, em observar participando de existências em putrefação por ações viscerais, motivadas por carências, solidões, tédios, torpor estendido e ou por estímulos assassinos. Acompanhamos a trajetória desta história real de um homem aparentemente comum, Fritz Honka, mas que matou e esquartejou mulheres. Um moderno “Jack, o Estripador” com um rosto deformado e uma mente deturpada.
“O Bar Luva Dourada” acontece pelo tom grotesco, que pelo dicionário significa que são “seres humanos ou fantásticos reunidos em cercaduras”. Em surreais proteções esquizofrênicas. É também “bizarro; kitsch, ridículo”. Fritz “dança conforme a música” e consegue “o que tem para hoje”: mulheres velhas, sozinhas e sem sonhos. Para elas, ele é uma opção que pode “dar um caldo”. Mas seu machismo atrelado com suas disfunções erétil pode embasar suas motivações do mal, como uma possessão psicológica desprotegida e consumida pela “animalidade” de seus “próximos”.
O diretor constrói uma trama de comédia incômoda e fisicamente violenta, à moda de um Quentin Tarantino mais realista. O público adentra em uma seara com que de proibido com um que de “deep web”. É uma intimidade escancarada de humanos sendo humanos em sua essência comportamental por uma precisa e irretocável direção de arte, principalmente pela maquiagem que transformou o bonito ator de vinte e três anos (Jonas Dassler, de “Das schweigende Klassenzimmer“) em um horrendo e repulsivo protagonista.
“O Bar Luva Dourada”, mesmo repetindo a premissa, ficando redundante e perdendo ritmo, seu valor está preservado. É um filme de ator. De atores na verdade. Que integrados se entregam completamente a seus papéis sem medo do retorno. Um exemplo mais aprofundado do Método Stanislavski. Cada um está preciso e irretocável nesta mise-en-scène ainda mais obscura que o já perturbado submundo do escritor Bukowski.
É um longa-metragem sensorial, biológico, impuro. De sentir carne, sangue e demônios internos. “Honka era uma pessoa real do meu bairro. Quando eu estava na escola primária, foi dito: Cuidado, senão Honka virá! Ele era uma figura medrosa da minha infância. Eu sempre preciso de um acesso pessoal à substância. Eu tenho pensado sobre como lidar com a violência para que o filme não pareça como se Tarantino tivesse feito isso. Nós não queremos eliminar ou cortar a violência, mas não queremos mostrá-la visualmente. Deve se originar na mente. Honka se aproxima da mulher morta com a serra, você pode ouvi-lo serrar, o resto que você pode imaginar”, finaliza o diretor Fatih Akın.