O Amor Dentro da Câmera
O complexo do amor
Por Vitor Velloso
Durante o Panorama Coisa de Cinema 2021
“O Amor Dentro da Câmera” de Jamille Fortunato e Lara Beck Belov é um daqueles filmes que renovam algumas esperanças durante esse período de quarentena. Aqui, o amor é algo simples e funciona como uma representação de nossos protagonistas: Conceição e Orlando Senna que falam de um amor longínquo, de revoluções pessoais e uma vida de trabalhos que se orgulham.
A construção do documentário assume uma perspectiva íntima, sem barreiras, que é dada pelo cotidiano, em pequenos recortes na vida dos dois personagens, sem a preocupação da produção à frente do próprio registro. Em determinado momento Orlando avisa que terá que sair logo mais, em seguida Conceição surge no quadro perguntando: Vocês não vão demorar hoje não né?. É essa intimidade que permeia uma obra que acredita na força do amor, sendo ele um objeto de libertação individual e revolucionário em amarras gerais que a sociedade possui.
Longe de ser apenas sobre o amor do casal, “O Amor Dentro da Câmera” mergulha em memórias, afetos, arquivos e emoções de um tempo que se materializa diante do espectador através de uma montagem que tenta encontrar força na expressão de uma sinceridade de quem vive e sobrevive de cinema e encontros através da lente objetiva. Se a criação do amor é dada por quem está atrás e diante da câmera, nas palavras de Orlando. Conceição chora de amor, não de tristeza ou alegria. É uma obra que se concentra em pequenos encontros do acaso diante da própria feitura, a forma busca os sorrisos e os olhares de um sentimento que parece ter se perdido em um Brasil que carrega a sina de um Sebastianismo que provou a dependência. Que se desdobra nas relações interpessoais, políticas e na expressão artística que encontram o registro mais ocasional uma complexa montagem tateando uma criação presente em lados opostos da objetiva cinematográfica.
Grande parte do que funciona aqui no filme, está ligado diretamente ao carisma dos personagens centrais, que sustenta um bom tempo de projeção sem grandes necessidades de material de arquivo para apoiar uma história que ambos ajudaram a construir. E por conta disso “O Amor Dentro da Câmera” é exibido como um braço extensão de um amor que apenas encontra limites no próprio quadro, mas que sustenta um afeto que ultrapassa a interpessoalidade, se confundindo com cinema e memória. Em diversos momentos o filme tenta creditar a própria condução da obra aos próprios personagens, que são ressuscitados em máscaras diferentes, tempos e espaços que se somam nesse mar de afetos e amores.
É um encontro poderoso, mas que passa longe de uma eloquência comum à obras biográficas, pois não se trata disso. Orlando e Conceição sustentam em uma nota extremamente positiva um imaginário onde o amor possui um efeito revolucionário diante de uma realidade triste onde o subdesenvolvimento nos trouxe a pária da discórdia e do ódio. Um país mergulhado em um conservadorismo tacanho, reacionário, que destrói o eterno sonho do país do futuro. Mas nossos protagonistas estão preocupados com o mamão, o cigarro, a memória e o afeto cotidiano que mantém vivo um sonho de Brasil, da brasilidade em um cerne privado. É uma espécie de acalanto para situações gravíssimas como Migliaccio e uma falta de afeto, amor e memória que possa irromper contra o ódio crescente de uma classe protofascista, neoliberal.
“O Amor Dentro da Câmera” é uma ode ao que há de melhor no ser humano e no convívio entre eles. Não há ímpeto para mudanças, mas há o registro de um mundo que dá certo em um convívio de amor, quatro paredes, memória e um bocado de esperança que enche o orgulho do Brasil. Um filme com imperfeições que demonstra exatamente que sua temática é construída com o esmero do desapego. Uma questão de montagem que vai transbordando e consegue cativar o público pela simplicidade da questão mais complexa.