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Nunca Mais Serei a Mesma

Diálogos da montagem

Por Vitor Velloso

Durante o Olhar de Cinema 2021

Nunca Mais Serei a Mesma

“Nunca Mais Serei a Mesma”, de Alice Lanari, é um documentário que se passa em Honduras, México, Brasil e Argentina e mostra as violências contra as mulheres do Sul Global. Violência do Estado, a misoginia, e como a estrutura brutal nos países subdesenvolvidos é uma instituição ideológica que atinge o senso comum. Quando os relatos começam a aparecer, a apresentação é feita a partir dos respectivos países, tomando o nacional como ponto de representação para aquela história, é uma questão a ser debatida, pois para o espectador brasileiro algumas lacunas geográficas podem ser incontornáveis a partir dessa escolha.

Contudo, os registros estão mais direcionados às histórias de maneira individual e a totalidade seria feita a partir da montagem, que busca as pontes a partir da luta de cada uma delas por seus direitos, voz e dignidade. E é necessário retomar o ponto do subdesenvolvimento como um dos fatores basilares para essa violência, pois em todos os casos, o Estado é negligente, quando não pratica outras formas de agressão, além de marginalizar essas lutas. “Nunca Mais Serei a Mesma” consegue criar um rico panorama a partir dessas particularidades nacionais, já que consegue costurar cada uma das narrativas a partir da interseção da opressão. E é por essa razão, que o Estado na América Latina deveria ser amplamente discutido em oposição às conceituações norte-americanas e europeias, mas isso é assunto para outro momento.

Quanto mais o espectador avança na obra, mais somos capazes de entender como essas manifestações vão se desdobrando em complexidades cada vez mais agudas. Desde as constantes cirurgias para sobreviver a um problema causado no passado até o medo de perder o filho na mão da polícia, esse rolo compressor assume uma série de facetas. Não é apenas um trauma ou um fantasma do passado, é algo que segue tirando vidas e destruindo. E é onde a obra procura se fixar, na luta cotidianas dessas mulheres, que não cedem à política do esquecimento ou ao perdão institucional, pois seus direitos, corpos e liberdades foram violados e a justiça deixa de ser apenas uma necessidade moral, é em última instância uma tentativa de ter dignidade em um mundo tão violento. A construção do documentário, mostra não apenas a “cultura” dessas práticas contra as mulheres, mas sim uma ideologia permanente, que quando aliada à precariedade social, os inimigos passam a se fundirem ao senso comum, a homologação em si, o inconsciente que normatiza essa violência. Porém, não se pode confundir “senso comum” de “opinião pública”, as duas podem ser manipuladas pela mídia, mas são coisas distintas.

Agora, se as realidades parecem se aproximar na mesma nota, é porque a montagem de “Nunca Mais Serei a Mesma” procura essas interseções. As mulheres não se conhecem, mas apesar de diferenças notáveis na luta de cada uma, as semelhanças tomam conta do território latino. A chaga em comum, o subdesenvolvimento e a violência contra os corpos femininos, permeia essa relação de maneira particular nos trópicos. Uma das importâncias do filme é justamente unir as frentes para que tenhamos uma noção mais ampla, ainda que as particularidades sejam estritamente nacionais (sem referir-se às cidades), o que limita um pouco o diagnóstico de maneira totalizante. A carreira de Alice Lanari é de suma importância para alguns debates internos na Pátria Grande e deve ser compreendida a partir de uma tomada de consciência do contemporâneo para o histórico, em uma dialética de diagnóstico sistemático. Com sorte, veremos o amadurecimento da cineasta com o passar dos anos, conseguindo ampliar o currículo para a multiplicidade necessária e contribuir de forma efetiva no debate. “América Armada” tinha seus méritos e seu novo filme mantém uma esperança diante de um cinema que segue falando em resistência, mas possui duas questões que mantém nossos grilhões ativos: ou o pensamento cosmopolita toma conta ou existe a negação dos demais países latino-americanos. O Nacionalismo é diferente da cegueira.

3 Nota do Crítico 5 1

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