Nove Dias
Uma sensibilidade moral
Por Vitor Velloso
Durante o Festival do Rio 2021
“Nove Dias” é um filme que demonstra como Edson Oda é capaz de trabalhar o psicológico de seus personagens em um espaço limitado. Com uma estrutura dramática que cria ciclos particulares nas relações, o longa se desenvolve a partir de um conceito relativamente abstrato sem gerar grandes confusões para o espectador. Assim, nos primeiros minutos, vemos uma série de imagens aparentemente desconexas que ajudam no desenvolvimento de Will (Winston Duke), um protagonista cercado de mistérios sobre seu passado, mas disposto a encontrar o melhor candidato para sobreviver ao mundo real. Tal moral norteia a obra, a crueldade do mundo assusta e a incompreensão dos humanos é capaz de acabar com vidas repletas de amor.
O problema é que a articulação do projeto parece procurar as razões de suas discussões na medida que progride. A razão disso é clara, “Nove Dias” impõe uma seleção não-natural sem acreditar na mesma. Da mesma forma que esse imbróglio é capaz de movimentar os acontecimentos na história, ele acaba permitindo que o fluxo dessas imagens esteja sempre dependente da reação imediata de algum personagem, ou da catarse do espectador com as emoções demonstradas. Edson Oda cria a delicadeza dos sentimentos com artificialidade, explicitando que sua encenação não está localizada no mundo real. Porém, essa frieza inevitável nas sequências onde os desejos podem ser materializados, expõe uma série de fragilidades na dinâmica de seus diversos personagens. Ou seja, o conceito das individualidades dá lugar à exposição da realidade através de televisores e da memória como um fantasma que Will se apega, sofre e descarrega no seu processo seletivo, gerando um grave distanciamento que compromete todas suas investidas emotivas. Um exemplo disso é a cena final, que já inicia desgastada pela obviedade e piora com a espacialidade dessa catarse melancólica e libertadora. Afinal, o filme se mantém em um fatalismo dicotômico entre a vida e a morte que não compreende a própria multiplicidade que propõe inicialmente, com a diversidade dos candidatos.
Certamente, Emma (Zazie Beetz) é o rompimento dessa monotonia, mas seu desenvolvimento é tão previsível que faz a experiência ser um tanto enfadonha. A fim de expor que apenas a vida real e as memórias são capazes de responder às perguntas de cunho moral realizadas pelo protagonista (devolvidas com mais perguntas), os afetos dividem espaço com o fim, sempre na dubiedade da finitude do processo, na limitação das escolhas. Mas nada disso é capaz de sustentar as dores do passado que atormentam Will, muito menos de minimizar a previsibilidade de suas anotações e as razões de assistir ao mesmo momento inúmeras vezes. Quando há uma revelação em torno dessas sequências, “Nove Dias” procura a ira e a frustração para mostrar as fragilidades de seu protagonista, tal como a incapacidade de lidar com a realidade da vida, as escolhas e nossos erros. O problema é que o espectador, minimamente atento, já havia notado o desejo melancólico do filme em diversas ocasiões, inclusive na ilustração de como a felicidade é temporária e por vezes falsa. Assim, o longa que tanto insiste na surpresa nunca parece acreditar na mesma.
E mesmo que a fotografia de Wyatt Garfield seja capaz de transformar o rigor da luz em um aprisionamento do momento, na própria resolução plástica de um enquadramento obsessivo, a montagem está sempre deslocando a exposição da moral para o centro da narrativa. Isto é, tenta se convencer de que o RH lá de cima é ético o suficiente para dar livre arbítrio para quem decide quem terá o mesmo na crueldade da Terra e de como a sociedade pode minar as oportunidades. A contraposição para a nota negativa, é acreditar que os momentos felizes se sustentam, as pequenas coisas são tão importantes quanto, sorrir com os amigos faz a coisa toda valer a pena. Mas “Nove Dias” não parece acreditar em seu discurso.