Nostalgia
O retorno e o fantasma
Por Vitor Velloso
Festival de Cannes 2022
“Nostalgia”, dirigido por Mario Martone, é o típico projeto europeu comercial que consegue algum espaço em determinados festivais de cinema e pousa em seletas salas de cinema brasileiro. Ao longo do ano um projeto ou outro como este recebe esse circuito limitado, sempre com um formato relativamente parecido e as mesmas fragilidades de sempre. O novo candidato da vez é um filme que não parece ter interesse em sua própria temática central, desviando sempre que possível o foco da narrativa para uma abordagem prolixa e profundamente arrastada.
A questão do retorno às origens é um recurso comum, que cerca o projeto de possibilidades de desenvolvimento, desde os confrontos com os fantasmas do passado até mesmo a decepção do que pode ser encontrado na jornada. “Nostalgia” se esforça para cumprir todas as lacunas desse tipo de filme, mantendo-se na superfície em cada uma delas, justamente por querer abarcar tudo de uma vez só. Se em um primeiro momento o espectador se interessa pela dramaticidade, e a necessidade, do protagonista Felice, interpretado por Pierfrancesco Favino, cuidar de sua mãe idosa Teresa (Aurora Quattrocchi), logo vai entendendo que existe uma questão secundária: a criminalidade dominante da região e uma ligação direta com a infância e adolescência de Felice. Enquanto isso se desenvolve, há um terceiro tópico que se inicia, a ligação direta com figuras representantes da religiosidade e todo um resgate do passado que é feito. Esse processo vai se repetindo incessantemente, como uma cadeia de acontecimentos sem fim, onde a própria finalidade desse desenvolvimento não parece encontrar um sentido para si, apenas criar um complexo retrato desse contexto que parece nebuloso à primeira vista.
Assim, Mario Martone passa a introduzir uma série de “flashbacks”, identificados com uma razão de aspecto e paleta de cores diferentes, que possuem como intenção explicitar parte do personagem e criar um tom geográfico para algumas paisagens visitadas pelo protagonista. O problema é que nada disso consegue sobrepor o interesse paralelo que vai sendo criado pela figura de Oreste (Tommaso Ragno), um personagem que se mantém presente na oralidade na maior parte do tempo e se sua marginalidade é ratificada a cada novo diálogo. Essa dualidade entre o presente e as memórias de Felice, são as coisas mais interessantes da obra, pois à medida que suas confissões vão ganhando formato, passamos a compreender sua obsessão em encontrar Oreste e a busca por algum alívio ou sentimento de justiça, mesmo que de forma parcialmente artificial. É justamente nesse caminho que “Nostalgia” parece se perder. Pois, sem encontrar uma linha sólida para se direcionar, passa a flertar com todo tipo de clichê do gênero, atravessando inclusive pelas redenções mais baratas que um projeto formulaico pode oferecer.
Por essa razão, o longa passa a forçar uma resolução dramática, onde a tragédia parece uma consequência desse mergulho de cabeça pelo sentimento de nostalgia e pavor que andam juntos. É uma redenção no sentido mais cristão possível, regulada à medida que torna-se necessário possuir um tom mais agudo nos sentimentos provocados. Soa como uma preguiça no desenvolvimento e uma muleta narrativa, onde os dispositivos estão ali com intenções específicas e nada mais. Não por acaso, tudo soa arrastado e programático, justamente por parecer forçado a cada nova informação sobre o acontecimento que atormenta Felice. Por exemplo, a cena que revela um crime do passado, que ecoa nos pensamentos do protagonista, é frágil em sua construção, sendo mais impactante pela sugestão da violência, que por um cuidado formal. É um recorte de planos, onde a perspectiva se mantém sempre na atenção de suas atitudes e não nas consequências. Por essa razão, a cena soa atabalhoada e apressada até sua conclusão.
“Nostalgia” é um retalho de boas ideias que não parecem se encontrar e carece de um ritmo progressivo de sua dramaticidade, sendo uma sucessão desgovernada de informações e “flashbacks” com pouca efetividade, prezando por uma construção lenta sem direção e acelerando excessivamente em sua reta final, dando a sensação de um eterno descompasso na representação de uma narrativa que é interessante até que perde o propósito, ou um eixo sólido.