Curta Paranagua 2024

Noites Alienígenas

Fronteiras inevitáveis

Por Vitor Velloso

Durante a Mostra CineBH 2022

Noites Alienígenas

Às margens da utopia nacional existem abismos sociais que uma análise de conjuntura não dá conta de abarcar toda  a realidade. Se uma alternativa à idealização dos diferentes infernos da sociedade brasileira, em um caráter objetivo ou subjetivo, é a possibilidade de ficcionalizar as histórias dos atores sociais envolvidos em um processo de extrema complexidade, “Noites Alienígenas” procura um termo entre o registro e o concreto como representação da materialidade.

Se por um lado, os primeiros minutos de projeção parecem procurar uma fragmentação da narrativa a partir das possibilidades de imaginação e lírica, o desenvolvimento da história então nos mostra a trágica condição dos trópicos. Sempre à espreita, os perigos do cotidiano se encontram em cada nova situação no filme. Mas se as divagações anteriores não dão conta de conjugar algumas das imagens propostas do diretor Sérgio de Carvalho, talvez a primeira participação de Alê, interpretado por Chico Diaz, seja essencial para que possamos compreender, ou sentir, as ideias do projeto. “Os seres que estão por aí”, ao referir-se aos alienígenas, é uma das definições que permeiam parte do longa-metragem, onde corpos vagam e sobrevivem na marginalidade, entre vícios e violências.

A partir desta perspectiva, é interessante notar como a estrutura narrativa possui ramificações e fragmentos que não necessariamente desenvolvem questões centrais da história, mas ajudam a contextualizar uma região, tanto culturalmente quanto socialmente. Isso é de suma importância para que possamos compreender os conflitos projetados na tela, onde a dinâmica não possui um eixo único de representação e sim um conjunto de trajetórias que se cruzam. Mas se os circuitos sociais e econômicos são parte basilar de “Noites Alienígenas”, a família e as referências com questões extraterrestres tomam conta de alguns dos melhores diálogos do filme. Não por acaso, é possível dizer que os primeiros diálogos possuem o poder de sintetizar as discussões desenvolvidas ao longo da obra, pois “voltar é mais difícil do que ir” é emblemática dentro dos contextos dos personagens. Os becos nos trópicos são fatais no desarticular dos sonhos e anseios que não se concretizam pelas vulnerabilidades das condições de seus atores. Contudo, em mesma medida, suas prisões são suas formas de sobrevivência, em uma região de cultura pulsante e dignidade abalada. Sergio de Carvalho faz questão de mostrar a cultura regional de diferentes formas, seja através da rima que denuncia a realidade social ou da orgânica cantoria de um encontro. Em uma certa perspectiva, o filme possui recortes densos que possuem, em maior ou menos escala, um elemento fantástico que está nas margens dessa representação.

Dentro de um contexto onde as figuras marginais são constantemente atacadas e estereotipadas em diversas partes da esfera pública, o longa promove um olhar que não se encerra em um moralismo frágil e debate questões de fidelidade, honra e família. Nesse caminho, a maneira como os conflitos pessoais são resolvidos na criminalidade, permite ao espectador notar o grau de exterioridade dos destinos de cada um. Ainda que crença e realidade se conflitem em larga escala, o fim é uma questão de inevitabilidade. Entre os inúmeros exemplos que poderíamos citar, a postura de Alê ao afirmar que Rivelino, interpretado por Gabriel Knox, já é um adulto e por isso tem o poder de suas escolhas, se contradiz com seu discurso, em outra cena, ao falar que “Ele tem apenas 17 anos”. Neste momento de chegada das facções criminosas do sudeste do Brasil para a Amazônia, “Noites Alienígenas” encontra a história de três amigos que se reencontram nesse contexto trágico, mas não consegue desenvolver cada parte da mesma forma. Desta forma, todo o cenário representado acaba ganhando uma maior relevância nessa construção, o que não prejudica o filme, mas parece impor um funcionamento não planejado para este desenvolvimento.

Os elementos fantásticos da obra não funcionam como um escape dramático, ainda que permitam um certo deslumbramento do cerco às vidas dos protagonistas. Isso funciona, também, por uma particularidade geográfica da película, a interseção da floresta com a área urbana, onde não só o contraste visual é fundamental, como acrescenta a construção de determinados misticismos que são importantes para compreensão dos rituais de passagem e proteção que acontecem durante a projeção. Entre a vida, a morte e a sobrevivência, o que está à espreita parece não ser causa nem consequência das questões, mas uma manifestação regional de como os perigos se aproximam de uma realidade social concreta que sofre a intervenção dos seres que estão por aí.

3 Nota do Crítico 5 1

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