Noite Passada em Soho
Para aqueles que brindam aos anos dourados
Por Ciro Araujo
Festival de Veneza 2021
Em termos de renovação do blockbuster, o diretor britânico Edgar Wright vem mudando sua postura para além da comédia. “Noite Passada em Soho” é uma síntese do olhar aficionado que o inglês tem com a história cinematográfica enquanto procura encontrar novas temáticas para se reinventar. Se, diante da tese do maior conhecimento a respeito do cinema, a crença é de que por consequência há uma produção de maior profundidade, na realidade o longa-metragem mais recente do realizador é um sintoma ainda de sua imaturidade para o além de seu campo.
Há quem diga que seus mais recentes trabalhos possuem uma qualidade, um vislumbre em montagem incrível. Não há como negar que a proficiência descrita em suas obras na edição está além do visto em títulos de grande orçamento modernos. A maestria que Hollywood perdeu ainda se encontra em Wright. Filmes como “Bohemian Rhapsody” se tornaram ganhadores da Academia para a categoria. Muitos na época inclusive questionaram a qualidade descrita naquela produção cuja filmagem inclusive foi cercada de polêmicas e problemas. Então um jovem cineasta, empolgado com seu repertório extenso, se acerca de grandes produtoras e entrega uma oportunidade. É fresco, é rápido, ideal para a velocidade fílmica que cada vez mais se acelera. Chega a ser esquisito então em “Noite Passada em Soho” sua edição encontrar seu maior calcanhar de Aquiles. Enquanto preocupação principal de Edgar está em traduzir seu amor fervoroso de uma década, acontece que o resto se apaga como uma simples chama que fornece energia à vela. Ou seja, as referências claras visuais para uma Londres anos sessenta se sobressaem acima de tudo. Quentin Tarantino, que desde “Baby Driver” serve como um mentor para o jovem inglês, forneceu um paralelo em seu mais recente filme. É um encontro dessas duas gerações de cinéfilos, mas que diante da cinefilia cega parece que o mais recente ainda não teve seu estalo genial além da trilogia Cornetto.
Há quem diga que 2021 foi um ano bem interessante para Hollywood sugar o terror italiano. Muitos irão comparar ao gênero Giallo. Não há quem os culpar, afinal, após Argento provavelmente a definição ficou entre cores e sustos. James Wan aproveitou-se também dessa paixão do Cinema de gênero para produzir sua versão. No filme de Edgar Wright há suas ligações, tão óbvias quanto parecem, seja em trilha sonora ou em estrutura cíclica e extensa além do ponto. Em contrapartida, seu caminhar é mais próximo a Roman Polanski, com “Repulsa ao Sexo”. Claro, personagens femininas escritas pelo olhar masculino. O diretor deseja recriar essa visão procurando atribuir à reinvenção do gênero tão masculinizado. Se o horror visto pelo primeiro filme da chamada “Trilogia do Apartamento” é tão ligada ao Giallo por essa obsessão ao sexo exclusivamente fêmeo, há como ver uma vontade, pulsão, de produzir o que vai além. O problema está justamente em como as peças desenhadas no tabuleiro são jogadas. No geral, é um filme que, visto de forma muda, não parece possuir tanto o DNA do britânico. Muito mais por sua bagunça e uma imaturidade em si, uma batida que parodia de forma antagônica seu próprio longa-metragem de ficção anterior.
O que quer que ele possua de interesse para falar sobre uma misoginia presente dentro do gênero, se perde diante da concepção imagética. O espelho representa muito além do objeto, uma reflexão literal de uma nova personagem. E então, diferente de outras representações da criação de um ídolo, o filme se perde através das próprias homenagens feitas por Edgar no percurso de “Noite Passada em Soho”. Essa falta de crescimento que o jovem cineasta se vê faz parte, é natural em uma determinada faixa temporal do trabalho. É difícil fazer horror, uma temática tão esnobada e tratada como cachorro na sarjeta. O que poderia ser claramente tratado como subjetivo torna-se uma exposição alongada, como uma massa esticada além de seus limites. É aí que a montagem não sabe controlar seu próprio longa, torna-se um monstro. Como um pastiche, procura negar como um, como homenagem quer se reinventar sem saber alguns dos beabás. É uma regressão até que compreensível para alguém reconhecendo além do que antes pode ser considerado como limitação. O humor, que raramente é presente, para a seriedade através de imagens que procuram à torto e a direita desnortear o espectador. A dádiva da edição já não parece tanto uma dádiva assim.