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Nocturama

O crime não espera a noite

Por Bernardo Castro

Nocturama

Como é de conhecimento da maioria, um dos mais marcantes ataques terroristas da última década foi o massacre dentro da sede do jornal satírico Charlie Hebdo. Em meio a tensões sociais provenientes do atentado, um ano e alguns meses após o ocorrido, o diretor francês Bertrand Bonello lançou “Nocturama”. Trata-se de um longa-metragem ambientado em Paris sobre uma célula terrorista, que ataca simultaneamente quatro monumentos espalhados pela Cidade Luz. Intencionalmente ou não, somos levados ao âmago do conflito e postos para, não só reviver, mas reimaginar a chacina – um convite a tocar na ferida ainda não cicatrizada. Como cidadão francês, ele primeiro expõe a sua própria ferida ao toque alheio e promove um momento de reflexão acerca de algumas questões fundamentais. Em uma primeira análise, é essencial ressaltar a composição étnica plural do grupo. Ao falar de terrorismo e usar de protagonistas de diversas etnias, o realizador segue em sentido contrário ao ódio infundado de uma parcela leviana da população francesa pós-atentado direcionado aos muçulmanos, que compõem uma fração significativa e majoritariamente marginalizada da sociedade parisiense contemporânea. Isento de um olhar preconceituoso, acompanhamos esse conjunto idiossincrático de jovens determinados a mudar a sociedade, sem que a motivação por trás da ação seja explicitada integralmente em nenhum. Esse é, inclusive, um dos pontos altos da narrativa.

Fugindo da hiperexposição hollywoodiana, muito pouco é revelado ao longo da trama de “Nocturama”. Os diálogos são escassos na maior parte da primeira etapa, sendo inclusive inexistentes durante a primeira sequência do filme e permanecendo assim durante seus primeiros dez minutos aproximadamente. Assim, cabe a quem assiste fazer a leitura visual de cada quadro, interpretar os enquadramentos e extrair dos olhares e das feições significados ou decodificar as motivações de cada um que ganha destaque na tela. Guardadas a suas devidas proporções, essa falta de exposição se estende aos momentos derradeiros da narrativa, onde muito pouco é nitidamente revelado e muito é deixado subentendido nas nuances dos diálogos ou atitudes dos indivíduos – a motivação que inspira as explosões também é apresentada muito en passant e pode ter permanecido uma incógnita para quem estava desatendo às minúcias da fotografia. A primeira etapa constrói magistralmente a tensão no espectador. A quase ausência de diálogos, o uso exclusivo de sons intradiegéticos e as atitudes suspeitas e confusas de cada membro da célula faz com que se aguarde o momento de catarse. Para o desespero do observador atento, o grande ato só é consumado depois da primeira meia-hora.

Até esse ponto, a espera não incomoda, posto que estamos imersos na angústia e no anseio de ver a conclusão. Depois disso, o grupo se esconde em uma loja de departamento e aguarda a dissolução das forças policiais. A expectativa gerada é que a dinâmica trabalhada será parecida com a de “Cães de Aluguel”, de Quentin Tarantino. No entanto, a segunda parte também carece de alguns desses aspectos e, por não ter a iminência de um grande acontecimento, a cadência lenta torna as sequências dessa etapa um tanto quanto embotadas. A falta de conflito entre os personagens enclausurados empobrece a história. É imprescindível dar destaque a direção de fotografia. Rico em planos sequências, enquadramentos estratégicos e movimentos de câmera, é fácil ver o trabalho meticuloso do diretor de fotografia em conjunto com Bonello, que agradam visualmente e, como citado anteriormente, comunicam na exiguidade de falas. Há algumas rimas audiovisuais interessantes, a exemplo da justaposição das imagens dos quatro atentados seguida pela exibição câmera da loja, também seccionada em quatro partes proporcionais da tela. “Nocturama” transcende o ato de se apossar da não-linearidade e resolve brincar com a linearidade em si. Vemos recorrentemente a mesma cena sendo exibida por diferentes ângulos ou perspectivas. Com o horário escrito na tela como guia, é evidenciada a ardil tentativa do diretor de frear o avanço do tempo em si. Em outras palavras, a sensação passada é a de uma fita sendo rebobinada. Exemplo disso é quando, nos últimos quinze minutos, reassistimos o mesmo evento pela ótica de vários dos presentes. A ironia dessa cena é notável. A personagem alvejada portava uma arma de brinquedo confundida com uma arma de verdade, enquanto, em outros momentos, outras personagens de fato portavam armas de verdade – um uso quase estrito do princípio dramático conhecido como “arma de Chekhov”.

4 Nota do Crítico 5 1

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