No Ritmo do Coração
Um sonho litorâneo
Por Vitor Velloso
“No Ritmo do Coração”, de Siân Heder, chega com alguma expectativa depois da repercussão de seu último projeto “Tallulah” (2016), mas o remake de “A Família Bélier” (2014) não foge do clichê e se torna uma experiência previsível, tediosa e arrastada. A transferência da França para os EUA não mudou em nada a estrutura industrial de um filme que é incapaz de tentar fazer as coisas de maneira brevemente diferente dos musicais envolvendo famílias “excêntricas”. Um pouco na linha de alguns longas de John Carney, o musical não se assume na cadência da cantoria alegre pelos campos floridos, mas trata a música como parte fundamental para o funcionamento da história.
O problema aqui é que tudo funciona no automático, cada clichê é milimetricamente calculado para otimizar o filme que já vimos mil vezes: temos a família diferente, os problemas internos, as dúvidas relacionadas ao futuro, a insegurança social, um romance, a música como “agente de transformação” e a liberdade individual vinculada à idealização do progresso. A esquemática é tão aguda, que em menos de trinta minutos podemos prever todos os acontecimentos da obra, sem que haja espaço para desfrutar o mínimo de sua construção, pois não há entretenimento envolvido aqui. É a reprodução sistemática do que vimos repetidas vezes ao longo de décadas. “No Ritmo do Coração” sugere, sempre que pode, que cantar é um ato de se libertar, é a ausência de palavras para explicar o sentimento e recorre ao lado lúdico do talento. Porém, em cada nova investida na intenção de traçar uma trajetória digna de uma grandiosa superação, demonstra uma série de fragilidades no trato com os próprios personagens. Isso acontece porque as próprias motivações são frutos de outro punhado de pragmatismos. Cada troca de olhar gera um bocejo e os “profundos” diálogos sobre o futuro são momentos de contemplação da moral, aquela lição que a indústria sempre impõe. Uma pena, pois com Troy Kotsur e Marlee Matlin no elenco é um desperdício e tanto.
Se antes era costurada em alguma fórmula de conflito entre o rural e o urbano, aqui ocorre no deslocamento de sua família da sociedade que a cerca. É claramente uma exploração da classe trabalhadora que se divide em dois campos de construção: como a protagonista é reprimida na escola por ser filha de pescador e a abertura de possibilidade para… empreender! Está claro que a produção não procurava se distanciar do projeto original, apenas retirar o conteúdo cultural francês da narrativa e jogar um pouco de prosperidade no sentido mais estadunidense do termo. Não por acaso, ao fim da projeção boa parte do público terá a sensação de que degustaram um produto típico da sessão da tarde, onde a própria surdez da família é mais um incentivo narrativo que carrega consigo a responsabilidade de seus atos.
Quando “No Ritmo do Coração” se concentra na família e na pesca, as coisas até caminham, mas os primeiros minutos sustentam o resto de uma projeção verdadeiramente arrastada que é incapaz de sair do algoritmo e da mimesis. Funciona brevemente como um exercício diletante de algum lirismo que ainda sobrou em John Carney, que se reduz à adaptação decadente de algo ainda mais enlatado. Não vai surpreender se ocupar algumas sessões após-horário de almoço, aliás, soa como algo já pensado para distribuição massiva às telas menores. Tampouco deve ter alguma dificuldade em encontrar mercado nas plataformas de streaming por aí, em especial aquelas que se debruçam nos projetos de pouca vida útil nas telonas.
Será uma alternativa aos demais longas nacionais que seguem em circuito, para quem sabe, lucrar no meio do “calendário morto” do mercado internacional nos países periféricos, pois vale lembrar, logo mais vem a enxurrada de Hollywood, com direito à agente secreto, supervilões e tudo mais. Vai entrar na categoria paralela, mas é tudo que a indústria mais procura nesses vácuos entre blockbusters.