No Fundo do Poço
Sistema de dependências
Por Vitor Velloso
Cinema Virtual
“No Fundo do Poço” de Joey Klein chega ao streaming brasileiro como mais um projeto atrasado para o montante de descarte que o Brasil recebe no universo virtual. O projeto até que funciona parcialmente nos primeiros minutos, reduzindo os espaços às sínteses dramáticas em objetificação em pequenos quadros que recortam o tempo nessa dimensão prosaica da rotina. O protagonista repete seus movimentos dia após dia como uma prisão que o redimensiona ao isolamento total, não à toa suas preces são feitas quase às escondidas como quem teme por possuir fé nesse ciclo vicioso de dependências. “No Fundo do Poço” é uma espécie de “Réquiem para um sonho” (de Darren Aronofsky) que trabalha não apenas o vício, mas a dependência em si. Caso fosse capaz de trilhar os aspectos dramáticos em um grau de exposição menor, o barato seria minimamente mais sólido, porém, seu contraponto acaba se tornando uma medida que mantém a obra em grilhões pouco flexíveis. De toda forma, o espectador é inserido no universo de Henry (Wolff) que ao perder a mãe, continua sua preparação diária do coquetel de drogas.
A parte inicial que gera algum interesse no público, surge na medida que nos habituamos à situação do filho e da mãe, em constante sobrevivência e dependência. À medida que sua curiosidade pelos vizinhos ganha dimensão, a dicotomia entre os dois universos pauta a monotonia de um lado e o crime crescente do outro. Por essa razão, a montagem já conduz a narrativa para a ideia de que a próprio rotina é uma dependência de cada um dos personagens centrais, em termos distintos, mas que se encontram ao longo da progressão. A iniciativa de reduzir os espaços para formalizar o espaço claustrofóbico, redireciona a tensão para aquilo que está fora da zona de conforto, fora da casa. Não por acaso, as batidas na porta são verdadeiros impactos sonoros que o filme proporciona. Aliás, é onde a tensão do longa passa por uma transformação. O design sonoro busca essa camada distinta entre o interior e exterior do apartamento.
A proposta de Klein utiliza algumas muletas de linguagem bastante expositivas, desde o contraste na fotografia até o enquadramento que busca descentralizar a imagem para gerar essa noção de perspectiva quase distorcida, uma margem do próprio isolamento. Porém, “No Fundo do Poço” parece mais preocupada em criar uma atmosfera entre os personagens, do que investir nesse perigo exterior. As mazelas que as dependências exteriorizam, acabam tornando-se cíclicas, tentando espelhar as experiências. Mas a dinâmica é chatíssima, são diálogos repetidos, situações iguais, espacialidades idênticas, que não encontram uma correspondência que seja capaz de criar uma ruptura na camada cíclica que toma conta da situação. Não por acaso, os bocejos virão antes da metade da projeção, pois de certo momento até o fim, estaremos assistindo “ligue para este número”, “meu celular está quebrado” e a conivência de uma série de práticas, no mínimo, questionáveis. Mas a trama criminosa, corre paralela, pouco se entrelaça aos dramas de seus personagens.
Para o leitor que irá cobrar um discurso de verve ímpar em torno da articulação formal da obra: é possível que haja algum deleite aqui, afinal o filme não se toma muita distância do formulesco de arthouse que tomou conta do “lado B da indústria”. Está claro que não faz parte de Hollywood, mas também não se rende à padronização dos festivais, apenas tenta encontrar um outro espaço de projeção para capilarizar a moral norte-americana. Moral que se encontra na própria representação que “No Fundo do Poço” procura em seus personagens. Aproximando suas expressões da objetiva, seccionando essa tendência cíclica da rotina para uma dimensão da dependência e criando sketches programáticas para facilitar essa montagem que funciona melhor quando compreende o espaço exterior e interior de maneira antagônica. Por outro lado, até alguns conservadores da “linguagem criacionista” podem creditar um tédio terrível na “gênese” do projeto, aliás, se alguém conseguir achar o ponto entre o fetiche por essa situação catastrófica e a denúncia moral fajuta que procura fazer ao aproximar-se do longa de Aronofsky, que fique à vontade para unir-se em 2070, no retorno.