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Ninguém Sai Vivo Daqui

Sessenta mil

Por Vitor Velloso

Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 2023

Ninguém Sai Vivo Daqui

Inspirado no livro “Holocausto Brasileiro”, de Daniela Arbex (o documentário homônimo está disponível na Netflix), “Ninguém Sai Vivo Daqui”, dirigido por André Ristum, procura retratar os maus-tratos, torturas e crimes cometidos no Hospital Colônia em Barbacena, a partir da perspectiva e da história de Elisa, interpretada por Fernanda Marques. Se a protagonista possui uma história comovente, o mesmo não pode ser dito sobre a condução do filme, pois a tentativa de trazer um peso dramático em cada cena que se sucede faz o longa se tornar excessivamente arrastado por um peso que não consegue ser traduzido na direção. O problema de tentar arrastar o sentimento de fatalidade a todo custo, e a todo instante, é que parte das cenas tornam-se meramente ilustrativas do que já exposto pela narrativa.

Assim, quando uma personagem que acompanhamos é morta, o longa não consegue sustentar a suposta dramaticidade que deveria ser desenvolvida, criando apenas a sensação de protocolo. Porém, quando o filme investe no lado emocional de seus personagens, sem necessariamente partir apenas do contexto como principal causador de dores, “Ninguém Sai Vivo Daqui” é capaz de um respiro maior dentro de sua narrativa. Por exemplo, todo o drama de Wanda, interpretada por Rejane Faria, funciona muito bem pela capacidade de conectar o espectador com aquelas dores, pois a construção não depende diretamente de uma ação ou de uma situação exterior. Contudo, por mais que o longa consiga seus melhores momentos nestes recortes isolados da narrativa, não consegue sustentar a projeção, que torna-se repetitiva à medida que não consegue descentralizar o drama de Elisa, ou desenvolvê-lo com alguma substância. Essa sensação perpassa todo o filme, uma espécie de discurso monótono que pela saturação se torna quase inócuo. 

Por vezes, a sensação que temos de “Ninguém Sai Vivo Daqui” é que essa dificuldade de trabalhar com a protagonista, reside no fato de o interesse principal da obra estar no recorte temático e de seu lugar, não na personagem. Também por isso, existe a necessidade de criar uma ameaça constante e progressiva na figura de Juraci, interpretado por Augusto Madeira, por sua violência ininterrupta, assédios e asquerosidade, mas esse recurso acaba funcionando como um facilitador para a narrativa, pois na medida que o tempo passa nenhum dos funcionários possui um desenvolvimento mínimo e a única face que nos é apresentada é sua funcionalidade para o encerramento da trama. Assim, temos a ameaça e a compaixão, em uma dualidade que apenas reforça o caráter superficial dessa dramaticidade que está envolvida no projeto. Nesse sentido, o maior esforço da direção é conseguir levar ao espectador essa emoção que supostamente está projetada na tela, ou pelo menos a paixão de um projeto que retrata um capítulo terrível na história brasileira, mas não é possível enxergar isso no desenvolvimento. 

Contudo, vale destacar a entrega de Fernanda Marques para construir um crescente desmoronamento psicológico, mesmo que a direção e a montagem tenham graves dificuldades em articular esse processo. Além disso, o roteiro não entrega o suficiente para que possamos sentir o mesmo peso em outros personagens, o que prejudica as cenas de interação entre eles. A saída encontrada pela produção é apelar para as cenas de tortura física como desmanche total da sanidade de Elisa, enfraquecendo o drama central e a construção histórica. 

“Ninguém Sai Vivo Daqui” investe muito na possibilidade do espectador se segurar à projeção por uma compaixão profunda pela protagonista, mas não é hábil em articular o contexto de sua trama ou debater qualquer questão ligada às temáticas presentes em uma discussão sobre o Hospital Colônia, tornando-se estéril de qualquer perspectiva crítica. Não por acaso, apela para a fotografia preto e branco, como se essa representação pudesse trazer alguma dramaticidade maior para um projeto que já possui um tema obscuro o suficiente. Não obstante, é um filme de gatilhos esporádicos, com cenas que podem causar algum desconforto no espectador, sem que haja uma conexão com aquelas pessoas, tornando a experiência exaustiva pela incapacidade de trazer a humanidade dessas vítimas. 

2 Nota do Crítico 5 1

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