Nazinha Olhai Por Nós
Indultos e a legislação
Por Vitor Velloso
Durante o Cine Ceará 2020
Em discussão recente com amigos diversos, argumentava a razão de um materialismo brasileiro não poder ir contra bases religiosas tão fincadas na cultura brasileira, do contrário estaríamos perpetuando um movimento reacionário até mesmo elegendo pastores multimilionários em grandes estados Brasileiros. “Nazinha Olhai Por Nós” de Belisario Franca é uma obra que consegue talhar relações do documentário contemporâneo com a imagem, além de reforçar arquétipos que o cineasta vem trabalhando ao longo de sua carreira.
A parábola inicial foi feita para nos conscientizarmos de nossas relações históricas com determinados monumentos religiosos, que estão presentes como verdadeiras bases para a sustentação do povo nos países subdesenvolvidos. O documentário, exibido no Cine Ceará, é uma demonstração empírica de como essa fé mantém a sanidade diante das adversidades, mas sem se alienar diante da realidade que registra. E tal atitude é efetiva para uma construção de argumentação em torno de um Brasil que se vê em absoluto desmonte social, jurídico e econômico. A piada do juiz e o sarcasmo eugenista, o descaso com a segurança pública, o profundo abismo econômico que mergulha o Brasil em processo estrutural de difícil reversão etc, são apenas pontos chaves para entendermos como o filme de Belisario costura questões nacionais a partir de quatro personagens em situações limítrofes.
“Nazinha Olhai Por Nós” é uma demonstração de como ser didático e não recorrer ao grau de exposição vulgar e fetichista da realidade nacional, pois concilia suas questões formais durante a produção e o processo de montagem, para isso alguns arquétipos acabam surgindo na tela, como os planos que centralizam os corredores, uma necessidade de seccionar em capítulos as apresentações dos personagens. Mas parte disso é fruto de uma tendência da cinematografia documental brasileira contemporânea e Belisario apenas formaliza tais nortes. Contudo, não cede ao formulaico, pois constrói sua obra em aproximação com a carreira do autor, ou seja, um didatismo que beira a exposição (uma tônica recorrente ao longo dos longas) mas que aqui encontra um conforto em atuar em favor da própria estrutura.
É um encaixe complexo, já que a relação por muitas vezes está no limiar da vulgarização. Assim, vale mais escutar os personagens que divagar sobre tais pontos explicitados. Não à toa, qualquer debate pós-projeção está a cargo dos espectadores, pois o longa em si não cria necessariamente uma análise dos problemas do subdesenvolvimento brasileiro, de suas injustiças e legislações que oprimem uma classe. O foco está concentrado em abrir as “narrativas” para o público e denunciar através do posicionamento político-formal da obra, os determinismos classicistas que regem uma suposta sociedade civil, absolutamente atuante no stricto sensu.
Desta maneira, o documentário não deixa grandes margens na “representação” abordada, reforçando que antes de revirarmos os túmulos prós-estruturalistas, deve-se negar com veemência qualquer indagação sobre a pureza da imagem ou do cinema, como não-ideológico.
Em um momento específico, o espectador acompanha um noticiário que descreve a morte de um dos personagens presentes na filmagem, essa constância de uma vítima, a partir do termo “carimbado” demonstra, de maneira equalizada, como a classe dominante reforça um arquétipo através das mídias. Desta maneira, “Nazinha Olhai Por Nós” se torna uma obra de importância ímpar para que se compreenda maneiras de atravessar tal domínio e enfrentar as dependências de uma cultura fálica e em desmonte no atual governo. De maneira clara, devemos torcer por uma distribuição parcialmente ampla, afim de gerar discussões e debates ao redor do Brasil, mas sempre lembrando que os meios de distribuição, são representantes dessa classe dominante que oprime os próprios personagens do longa.
A programação do Cine Ceará parece estar encontrando eixos mais sólidos para prosseguir. Aos pés de Nazaré, o festival vai se moldando e mostrando uma faceta nova para compreendermos intenções da curadoria.
Uma breve digressão que findará o atual texto deve ser feita. O comentário inicial e a impossibilidade de negarmos a fé em um debate econômico, político, social e cultural são necessidades brasileiras de primeiríssima ordem. Enquanto as ditas, e autodenominadas, forças progressistas seguirem travando uma guerra contra a fé e não as instituições, seguiremos em exposições e discussões superficiais de uma realidade latino-americana.