Não Sei Viver Sem As Palavras

Pequenos desvios

Por Vitor Velloso

Festival do Rio 2025

Não Sei Viver Sem As Palavras

“Não Sei Viver Sem As Palavras” é um documentário que procura homenagear a pessoa e a carreira do lendário escritor brasileiro Ignácio de Loyola Brandão. O filme é dirigido pelo filho do escritor, André Brandão, que, por questões explicadas ao longo da projeção, parece ter uma relação um tanto distante do pai. A obra reconhece qual é o seu objeto central — Ignácio: pessoa, escritor e, por último… pai — mas parece não ter um objetivo claro, estruturando-se de forma a transitar entre a biografia, a contextualização política e social dos diferentes momentos de Ignácio, suas obras e, claro, sua importância para a literatura brasileira.

O problema é que, nesse extenso recorte temporal, a montagem percorre uma série de arquivos que não possuem uma conexão clara entre si e, quando decide se debruçar sobre determinados livros, acaba assumindo um caráter prolixo, abrindo espaço para interações familiares e situações pouco orgânicas dentro do que o projeto propõe. Nesse sentido, quando “Não Sei Viver Sem As Palavras” realiza a imersão no que Ignácio Loyola Brandão procurou debater em determinados textos, tudo parece fazer mais sentido. A própria lógica de expor os recursos “formais” implementados em Zero, mesmo sem conseguir explicá-los plenamente — aliás, o próprio escritor não consegue fazê-lo, ou pelo menos não consegue explicar o motivo de suas escolhas —, é o que torna o filme mais interessante.

Do contrário, quando se apoia em reflexões ou citações, o documentário torna-se repetitivo e cansativo, preso a uma estética de “cinema-sussurro”, excessivamente programática e óbvia, por vezes até constrangedora. Esse efeito é reforçado pela simplicidade dos depoimentos e falas do protagonista, criando uma dissonância prejudicial ao longa. Em determinado momento, por exemplo, André e Ignácio conversam sobre a possibilidade de “se distanciar da figura do pai”, e André faz questão de expor o dispositivo da câmera — um celular —, perguntando: “Mas será que é possível?”. Acreditando no impacto dessa reflexão, cria uma montagem que tenta instaurar uma pausa quase dramática no diálogo. O pai, no entanto, responde de forma direta: “Não sei. Acho que eu que tenho de responder isso”.

Dessa forma, é Ignácio quem salva determinadas sequências, graças à sua verve objetiva, sem precisar criar os rodeios que o filme insiste em articular. “Não Sei Viver Sem As Palavras” busca um grau poético, mas frequentemente soa como uma terapia filmada, em que o filho parece usar o documentário para questionar a figura paterna. Algo particularmente recorrente em parte da produção documental brasileira contemporânea.

Por outro lado, o filme tem mérito ao explorar duas questões importantes para o protagonista, tanto em sua caracterização diante do espectador quanto em sua definição enquanto trajetória artística: Araraquara e o cinema. Araraquara aparece como cenário frequente nessa construção, ainda que de forma um tanto simples, mas as tomadas da cidade e dos trilhos abandonados nos situam nesse lugar da memória, da história e do território que moldou — e ainda molda — essa figura.

Quanto ao cinema, há um longo momento, bastante íntimo e com algumas pitadas de humor, em que vemos as participações de Ignácio em obras do cinema brasileiro, como em O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte (1962), ou nas memórias contadas sobre o filme Gilda (1946), de Charles Vidor, e sua imaginação ao tentar projetar uma imagem de striptease da atriz Rita Hayworth. Ou seja, a importância do cinema para o protagonista é bastante evidente e ganha espaço dentro da obra, em uma passagem na qual ele admite que seu sonho era ser cineasta, não escritor.

“Não Sei Viver Sem As Palavras” tropeça em certos sintomas de documentários contemporâneos e perde ao tentar se alocar em um lugar comum, mesmo tendo como foco um personagem incomum, extraordinário. Com algumas passagens constrangidas por uma certa soberba — a de acreditar mais na reflexão proposta do que nos próprios depoimentos —, o filme transita entre bons momentos e fragilidades. No entanto, consegue, em última instância, prestar uma bela homenagem a um dos grandes nomes da literatura brasileira, explicitando traços de sua personalidade e de sua obra que parte do público desconhecia, ainda que peque na formulação de suas ideias.

Figura importante em momentos políticos como o atual cenário contemporâneo, Ignácio ir às telas de cinema torna-se necessário para que possamos debater as faces dessa política que nos cerca.

3 Nota do Crítico 5 1

Apoie o Vertentes do Cinema

Deixe uma resposta