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My Policeman

Amor nos tempos da repressão

Por Pedro Sales

My Policeman

Até 1967, no Reino Unido, qualquer homem que fosse flagrado em ambiente público tendo relações com outro homem era preso, em alguns casos, a própria denúncia já significaria a prisão. A prática era considerada crime, com legislação e tudo. Após muita luta, a homossexualidade deixou de ser uma ofensa sexual. O primeiro passo para essa transformação foi o Relatório Wolfenden, de 1957, um documento que pedia a descriminalização depois de figuras públicas britânicas serem presas. Em “Meu Policial – My Policeman”, adaptado do romance homônimo de Bethan Roberts, o policial Tom (Harry Styles) e o curador de museu Patrick (David Dawson) se apaixonam no final dos anos 50. Diante do conservadorismo e da própria criminalização, ambos precisam lidar com a repressão, a expectativa da sociedade sobre eles e a esposa do policial, Marion (Emma Corrin).

O filme, dirigido por Michael Grandage, é tecido entre passado e presente através dos flashbacks. O uso desse efeito dramático, imagino, deve ser proveniente do próprio livro. No presente, todos os envolvidos já estão idosos, Patrick, Tom e Marion. O estado de saúde de Patrick é deprimente. Após um AVC, sua mobilidade e fala ficam comprometidas. Marion decide trazê-lo para a casa deles, mesmo que isso signifique a distância de Tom para com o enfermo. Neste aspecto, a obra se assemelha a “O Paciente Inglês” (1996), estrelado por Juliette Binoche. Os dois filmes partem da lembrança do antigo amor por um personagem fragilizado fisicamente. Só que aqui, as memórias de Patrick estão guardadas no seu diário.

Assim, a obra atribui diferentes visões da mesma história. A primeira memória retratada, pela ótica de Marion, analisa o comportamento do triângulo amoroso sob um outro prisma, como se o curador do museu estivesse apaixonado por ela. As do diário, entretanto, demonstram que no casal Tom-Marion era o primeiro quem Patrick amava. O contraste entre o passado e o presente acontece não só pela alternância de atores, mas no trato visual. Há um realce maior e uma vivacidade das cores na lembrança do passado, ao passo que nas passagens do presente todos os tons, seja da casa ou do mar, são carregados de uma palidez e frieza ímpares, como se o amor também tivesse esfriado.

O uso do diário como recurso para o flashback possui diferentes funções para personagens e público. A surpresa para o espectador é constante, ficando cada vez mais evidente o porquê de Tom sequer se aproximar de Patrick. Contudo, o fato de Marion idosa ler não representa novidade alguma para ela, pelo menos não no que tange a existência do caso entre eles. A leitura do diário, para ela, significa apenas o conhecimento de detalhes ocultados do seu marido, dos mais quentes aos mais dramáticos.

A clandestinidade e o perigo inerente das relações homossexuais é bem desenvolvido. Os homens se encontram em bares subterrâneos, mentem ao dizer que um primo visita sua casa. Eles escondem quem são. A ligação entre Tom e Patrick é interessante, pois contrasta uma figura heteronormativa, como o policial, em uma situação homossexual. “Eu não me dou bem com policiais”, diz em um momento o curador do museu ao seu policial Tom. Não é por acaso. Em outra cena, fica claro como a polícia era um agente da repressão dos gays da Inglaterra. Além de prender, eles poderiam bater sem dó, sem temer qualquer consequência. O encontro entre sofisticado e provinciano é tórrido, mas enfrenta as pressões da sociedade. Patrick compreende a homossexualidade enquanto uma característica própria. Enquanto Tom, até mesmo por sua profissão, opta por se casar com Marion para manter as aparências.

A proximidade entre eles está ligada diretamente ao erotismo. Quando Tom e Marion se deitam, não há emoção ou fulgor, um corpo se sobrepõe ao outro e só. Entre o policial e Patrick, porém, há um trato mais cuidadoso da mise-en-scène para transmitir, assim, a paixão entre eles. Tudo começa com o toque. A importância narrativa do contato físico é crucial para o início e também para o fim do romance entre os homens. Os planos-detalhe das mãos trazem peso para estes pequenos gestos, uma mão no peito, os dedos que se encontram furtivamente. Nos momentos de maior ardor, o contato é enquadrado pelos espelhos espalhados nos quartos. Tocar é sentir, e em “My Policeman” o sensorial é muito importante para o trio. A sensação evocada ao olhar uma bela pintura é quase proporcional ao turbilhão de emoções que Tom sente, preso em um casamento com uma pessoa que, sim, ele ama, mas que ele não deseja.

A performance de Harry Styles, que esteve recentemente em “Não se Preocupe, Querida” (2022), e de David Dawson são satisfatórias. Eles demonstram as dificuldade entre conciliar o secreto e a paixão. No entanto, a atuação que mais se destaca é de Emma Corrin. A personagem percebe lentamente o desmoronamento do casamento e a presença de Patrick deixa de ser amigável para ameaçadora, o que acarreta em uma série de problemas. As suspeitas, ela já nutria, mas chega a um momento de explosão, confrontando o esposo e tomando atitudes para cessar com este caso extraconjugal. A atriz vai bem na paixão imatura inicial, mantém o nível com suas feições contidas, e se sai ainda melhor na fúria de mulher traída.

“My Policeman” é uma obra histórica que, apesar da sua ousadia, se constitui em uma base clichê noventista de roteiro. O pathos é presente, afinal o filme é quase um melodrama, principalmente em momentos pontuais de reviravolta, que exigem maior envolvimento dos atores, e também do espectador. Um problema enfrentado pelo longa, pelo menos na recepção do público, são as denúncias de queerbaiting – apropriação da causa LGBTQIA+ para fins mercadológicos sobretudo no casting de Harry Styles . Sobre isso não posso me aprofundar tanto, mas vale a reflexão. Em contraponto às acusações, a autora do livro Bethan Roberts  afirmou em entrevista que o caráter trágico de amor impossível foi inspirado na vida do romancista E.M. Forster. A impossibilidade do amor, devido à repressão, é quebrada. O que era proibido não é mais, e o amor pode ser reavivado, mesmo que muitos anos depois.

3 Nota do Crítico 5 1

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