Reprise Mostra Campos do Jordao

Motel Destino

Um filme casual

Por Fabricio Duque

Durante o Festival de Cannes 2024

Motel Destino

Antes de traçar linhas analíticas sobre o décimo primeiro filme (e oitavo longa-metragem de ficção) de Karim Aïnouz, “Motel Destino”, exibido aqui na mostra competitiva a Palma de Ouro do Festival de Cannes 2024, é preciso dizer que o cineasta cearense-argelino possui uma idiossincrasia que sempre imprime em seus trabalhos: a predileção por lugares transitórios, como hotéis e aeroportos, talvez porque esses espaços representam a máxima essência da liberdade, visto que são descansos da rotina e permissões para cada um se tornar outro por um curto período. No novo filme em questão, o cenário agora é um motel brasileiro localizado no Ceará, terra natal de Karim, lugar que traz outra sua característica intrínseca: a organicidade underground dos ambientes retratados, construindo assim uma maior naturalidade do nosso olhar. Os corpos de suas personagens  são reais, cotidianos, coloquiais e expressam o desejo inerente de suas vontades pelo impulso sexual. Por um suor mais naturalizado ao instinto primitivo. É tudo uma mise-en-scène integrada, que transcende o padrão exótico-sexualizado e co-dependente dos signos comportamentais locais.  Para isso, Karim usou também o artifício da fotografia estética, filmando em Super 8mm e 16mm, para que dessa forma se possa criar uma percepção a mais de nostalgia atemporal, importada ao presente, suspensa do próprio tempo, tudo embalado com versões brasileiras de músicas internacionais famosas. 

“Motel Destino” segue todas essas metodologias de Karim (incluindo os créditos de abertura do filme), mas também acaba desencadeando típicas variantes problemáticas presentes na forma escolhida, cujos elementos consequentes são quase impossíveis de se desvincular. Sim, para que seja criada na narrativa a sensação de realismo existencial , é preciso da tradução máxima de liberdade, especialmente por seus atores (sem que nenhum destoe da linha fluída), a fim de complementar a experiência da trama com equilíbrio e harmonia. Assim, precisamos de uma roteiro que fale a mesma língua das personagens e nunca com diálogos expositivos, tampouco didáticos. Em filmes desse jeito (de gênero de filme de ator), esses atores têm a responsabilidade completa pela obra e obrigados a naturalizar suas personagens a ponto de dissociá-las da própria construção. Karim, que sempre seguiu pela estética do cinema ficcional verdade, de permitir improvisos, hesitações e ruídos de vida acontecendo para que o contexto soe mais real e menos hollywoodiano ao resultado final, continua a trazer em sua essência a capacidade magnifica de captar em tela o efeito sensorial. Suas imagens traduzem o exato tempo que as coisas acontecem numa fusão metafísica de uma ficção bem mais realista que a própria realidade.

Pois é, mas essa permissão do casual pode ser também uma armadilha. Ao seguir com a narrativa mais solta, é mitigando em “Motel Destino” sutilezas, silêncios e entrelinhas. E o roteiro de Wislan EsmeraldoMaurício Zacharias vai pelo caminho de explicar e mastigar tudo ao espectador. Há aqui uma aceleração maior da trama, especialmente em seus cortes rápidos e bem mais afoitos. Ainda que Karim coloque toda a representação de nossa brasilidade com a fotografia granulada em que luz é mais praiana (saturada a uma imagem de filme antigo, talvez pela filmagem em película), com a presença marcante do sotaque (e dos “jeitinhos” diárias dos “menos afortunados” em “esquemas para o futuro”) e até mesmo quando troca o mar pelo concreto, o longa-metragem parece ter seu desenvolvimento mais engessado. Talvez isso se explique por conta de uma incompatibilidade pela entrega método dos atores cearenses Nataly Rocha e Iago Xavier (em seu primeiro trabalho no cinema) com o “intruso” Fábio Assunção (e sim, este é o papel de sua vida pelo “presente” de se desconstruir como ator – principalmente pelo vontade de sua personagem de flertar com um homem), este que inevitavelmente incorpora seus gags de outros papéis de novela, como “Todas as Flores”. Será que é esse o ponto? 

“Motel Destino” é um abrasileirado thriller erótico, bem à moda do seriado “Verdades Secretas”. E sim, uma das especialidades de Karim Aïnouz é filmar cenas de sexo, dotadas de latente tesão caseiro, fisiológico, melancólico, espionado, sexy, físico, “mavambo”, passional, intimista, ogro (“mais tarde tem linguiça”), natural, latente e com muito teor-tempero apimentado (totalmente coloquial e sem nenhum ato cerimonioso), entre reboladas, ”marca da sunga”, câmeras de segurança, trocadilhos de quinta série, jogos sexuais do “perigo é bom”. É um filme parada, estimulado pelo prazer. Pelo desejo. Um filme com cara e corpo de casual. Suas personagens vivem em uma constante passagem entre a costume do ficar e o sonho de se libertar do próprio local onde se encontram. “Motel Destino” adentra-se também no gênero do crime, tornando-se violento. De sobreviver quando “dá merda”. Quanto mais o filme desenvolve suas “baguncinhas”, mais percebemos um tom direto e abrupto de sua narrativa ir da calma à urgência. Mais e mais, tudo parece ser potencializado e se pautar em gatilhos comuns. O desespero, o choro, os “jegues tentando transar”, a “cobra no quarto”, a toalha cisne, os sonhos, e até mesmo o silêncio excedente. É, pois é, mais e mais, o filme fica desengonçado e, muitas das vezes, fora de tom. E de viagem psicodélica. Sim, “Motel Destino” fica ainda mais amador quase no final. E a conclusão do filme é que faltou fuleragem. Faltou subir a temperatura do calor do Ceará. O frio de Berlim (lugar-destino onde Karim mora) ganhou mais uma vez. 

3 Nota do Crítico 5 1

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