Morbius
Salada de frutas em inglês
Por Ciro Araujo
A salada de fruta nunca foi um prato brasileiro, mas sempre permaneceu no imaginário popular do país pela sua afinidade tropical. A expressão homônima também é regional e reflete uma escolha indecisa e estranha aos olhos. “Morbius”, novo filme desse também bizarro acordo Sony e Marvel, do sueco com origem chilena Daniel Espinosa, é uma salada de frutas. Infelizmente, não no bom uso do termo; o longa é um contribuinte certeiro para a má fama dentro do âmbito cinéfilo de que filmes de heróis não possuem um pingo de originalidade, criatividade, experimentalismo inclusive ou até esmero.
De fato, tantas palavras cruéis para uma obra. Mas torna-se complicado ao menos produzir uma defesa para o filme uma vez em que ele não consegue realizar nem uma decisão difícil. Daniel dirige algo em que começa já avançado na trama, através do uso de uma cronologia não definida, volta ao começo para contar como tudo aconteceu e nunca mais continua o que deixou inicialmente instigado. Esse exemplo é o que determina exatamente o texto do longa-metragem. Um filme que possui lacunas, como se estivesse ainda em construção após alguém o filmar e ter esquecido de gravar certas cenas. Antes o resultado fosse intencional, já que no gênero de herói sempre ideias refrescantes são aceitas, como times de futebol que previamente capengando no campeonato local, qualquer vitória já é passível de celebração. Todavia, é o contrário que “Morbius” realiza, provando-se que esses buracos deixados afetam automaticamente o ritmo produzido.
Ao menos os temas que o diretor sueco escolheu poderiam refletir em um aumento de interesse na já porca estrutura da obra, porém não. Egoísmo, horror ao diferente, obsessão. Todos superficiais, que procuram bater na tecla para aplicar algum golpe ou murro ao espectador. Mas não é um cinema ativo, de jeito nenhum. Daniel ou a dupla que escreveu o roteiro do filme procuram incansavelmente qualquer objeto para possuir o centralismo da trama. Quando se interessa por clássicos como médico e o monstro, esquecem que no cinema hollywoodiano já foi repetido tantas vezes de tantas outras formas; e possui sua hora de absorver Drácula e suas inúmeras refilmagens, claro, por ser um anti-herói vampiresco. Nada de novo. Ao se render também à direção de Espinosa, o ator Jared Leto, que já não possui antecedentes de qualidade no tema, fica assustador, porém do jeito ruim: cacofonias sem sentido, expressões dedicadas à computação gráfica, pouco carisma; tudo torna negativo para a imagem do também cantor.
O gênero heroico assumiu duas vertentes após dez anos de megaproduções, sendo elas: filmes de eventos astronômicos e os de introdução ou reintrodução do herói. Dentro dessa segunda categoria, existe também a tendência de repetir a jornada clássica, sendo um obstáculo impossível de se superar. Para o público que brada repetição, hoje já compreendem o porquê. Encontra-se então a explicação direta para filmes como “Homem Aranha: Sem Volta Para Casa”, “Vingadores: Guerra Infinita” e “Vingadores: Ultimato” soarem tão apetitosos e que se comprovam pelo número de bilheteria. São espetáculos para o olhar do ponto de vista voyeurístico. O prazer de crossovers, palavra do inglês que significa junção de dois (ou mais) personagens de lugares, filmes, mídias diferentes em um mesmo lugar. Aquela criança que sonhava nos quadrinhos e depois a imaginação tornou-se mais preguiçosa para dar lugar à imagem assistida (isto é, o cinema), agora pode ter seus desejos consumistas mais molhados e ver os heróis se enfrentarem.
Após esse longo parágrafo, torna-se evidente algo no longa novo do universo Sony. Como um obra de origem, uma adaptação inicial de seu personagem, subtende-se que a jornada do herói estará explícita. E é o que acontece, repetindo, sem a menor das possíveis criatividades. O filme então recai para os efeitos especiais que simplesmente são cópias e mais cópias do que já se faz. O tradicional ocultismo visual de Hollywood aqui permeia, não existindo um golpe desferido em que se veja de fato a coreografia. A tradução é em efeitos desmiolados para pessoas desmioladas que apenas pretendem possuir em sua coleção pessoal essa recordação. A imagem vira um colecionismo barato, olha que coisa irônica!
“Morbius” será atacado pela crítica especializada, fará o possível para recuperar o investimento e se duvidar o sucesso financeiro será realidade. Nada além do normal, mas que apenas prova um estado catatônico em que a indústria está (e sempre na realidade esteve), apenas se soltando dessa doença degenerativa quando descobre uma nova galinha dourada para se apoderar. “Batman”, de Matt Reeves, é um exemplo perfeito. Gosta de ser uma releitura com cenas adultas e uma roupagem de originalidade obsessiva pelo outro sucesso, “Coringa”, outra cópia de alguns filmes de Scorsese. E por assim vai, uma cópia de cópia de outra cópia. Mas que esse filme do sueco com origem chilena Daniel Espinosa é uma salada de frutas que não sabe nem copiar, realmente é…