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Montanha da Morte: O Incidente na Passagem Dyatlov

Montanha Russa

Por João Lanari Bo

Montanha da Morte: O Incidente na Passagem Dyatlov

 “Montanha da Morte: O Incidente na Passagem Dyatlov” é uma série russa, produzida em 2020, que trata de um fato verídico: o incidente da Passagem de Dyatlov, quando dez membros do Instituto Politécnico dos Urais – nove estudantes e um instrutor de esportes que lutou na Segunda Guerra Mundial – desapareceram numa expedição de esqui e montanhismo em 23 de janeiro de 1959, nos confins dos Montes Urais, a cordilheira que define a fronteira entre a Europa e a Ásia e vai das estepes cazaques até à costa do oceano Ártico. O grupo acampou em 1º de fevereiro, armando uma grande barraca nas encostas nevadas no alto de uma montanha, cujo nome – “Kholat Saykhl”, na língua do povo Mansi que habita a região – pode ser traduzido como “Montanha da Morte”. De acordo com o censo russo de 2002, existem 11.432 pessoas que se identificam como Mansi: apenas 2007 falam a língua original Mansi. No início da jornada, um dos membros desistiu, alegando dor nas pernas. O resto, liderado pelo estudante de engenharia de comunicações (rádio) de 23 anos, Igor Dyatlov, continuou – e nunca mais foram vistos. Algumas semanas depois, a barraca da expedição foi encontrada, parecendo rasgada por dentro. Nos meses seguintes, à medida que a neve derretia, todos os nove corpos foram encontrados, espalhados pela encosta da montanha, alguns em um estado desconcertante de nudez, alguns com crânio e peito estilhaçados, outros sem os olhos e uma sem a língua. O cenário revelou-se um quebra-cabeças para os investigadores do acidente – ou massacre, dependendo do ponto de vista. Um relatório na época atribuiu as mortes a uma “força natural desconhecida”, e a burocracia soviética manteve o caso em silêncio. Não deu outra: logo apareceram teorias conspiratórias sobre a possível causa mortis: alienígenas, discos voadores, zumbis, testes militares clandestinos, prisioneiros do Gulag em fuga – tudo era possível num Estado, a União Soviética, onde a opacidade era a norma. O assunto segue rendendo: em 2019, as autoridades russas revisitaram, mais uma vez, a tragédia.

O mérito maior da série foi intercalar duas narrativas para circunscrever os acontecimentos: a primeira, ficcional, filmada em 16 mm a cores, aumentando a granulação na pós-produção, e usando a proporção padrão da janela, 2.39:1; e a segunda, um docudrama em preto e branco, filmado em 4:3 (antigo “quadrado” das produções soviéticas), gravado em digital. São oito episódios, quatro em cada estilo – com algumas variações, como os flashbacks de cenas da guerra de dois personagens diferentes, o major da KGB que lidera a investigação ficcional, e o instrutor de esportes da expedição real. Em ambos flashbacks a imagem é trabalhada: foram filmadas com câmeras digitais e reproduzidas com nitidez saturada, realçando a passagem do tempo e sugerindo ao espectador um certo desconforto visual. “Montanha da Morte: O Incidente na Passagem Dyatlov”, portanto, divide visualmente histórias e personagens, permitindo cruzamentos ocasionais para conectar situações e/ou exacerbar potenciais conflitos. Na ficção, o major da KGB é um obsessivo detalhista enviado de Moscou para esclarecer o mistério: sua contraparte feminina é médica legista, alguém que trabalha na intersecção entre o direito e a medicina dissecando cadáveres. Ele repassa todas as possibilidades, movidas ou não pela “força natural desconhecida”, pouco a pouco deixando entrever vulnerabilidades. É uma espécie de detetive de filme noir: carrega a narrativa, seja lidando com estranhas luzes no céu, seja desmascarando colegas da KGB corruptos e assassinos cruéis. Revisita todos os locais do drama, até a cabana da família Mansi: misticismo e superstição não são obstáculos, o major não inventa teorias ou versões. Quer apenas a verdade, ou parte da verdade – ou a verdade possível, que também é verdade.

No docudrama, a verdade é a reconstrução ficcional, mas inspirada por fatos verídicos: os eventos são extraídos dos diários de participantes encontrados pelas equipes de busca. Até a máquina de fotografia de um deles foi achada, ensejando reproduções de fotos do grupo nas imagens da série. Ao espectador é oferecida uma elaboração narrativa típica dos filmes estudantis da era soviética, cheia de voluntarismos juvenis e tramas românticas. A despeito da separação estilística das seções, o dispositivo comum nos episódios de a “Montanha da Morte: O Incidente na Passagem Dyatlov” é o virtuosismo da câmera e da edição: aéreas, piruetas, lentes abertas, por vezes a impressão é de uma montanha russa (sem trocadilho) cinematográfica.

Os produtores – entre outros filmes e séries, o recente “Cidade dos Mortos” – têm essa marca que parece distinguir o audiovisual russo contemporâneo, em especial o das grandes produções: o fascínio pela tecnologia como dispositivo de linguagem.

3 Nota do Crítico 5 1

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