Curta Paranagua 2024

Môa, Raiz Afro Mãe

A madrasta e a mãe

Por Vitor Velloso

Môa, Raiz Afro Mãe

Dirigido por Gustavo McNair, “Môa, Raiz Afro Mãe” conta a trajetória do Mestre Môa, compositor brasileiro de importância ímpar para a cultura nacional, que foi assassinado brutalmente em 2018 por divergências políticas. Apesar do caso de violência, o documentário não procura se debruçar sobre o acontecimento e envereda sua construção para o que Môa fez ao longo de sua vida, suas contribuições, inspirações e legado deixado para um país que precisava de um referencial como o Mestre. 

No início da projeção, Moa do Katendê comenta um pouco sobre seus referenciais durante a década de 70, referindo-se à outros afoxés até a fundação do Afoxé Badauê. Em um formato particularmente televisivo, o filme transmite uma série de recortes que estão presentes ao longo da obra, como uma espécie de introdução a esse universo, tanto com frases marcantes, quanto com a intenção de provocar uma reação inicial do espectador. Com a série de falas de amigos e imagens de arquivos que procuram complementar esses primeiros momentos, o longa se posiciona de forma quase burocrática diante de sua construção inicial, sem muita intenção inventiva, ou mesmo de se distanciar de um certo modelo pragmático de documentário. E essa estrutura não se fragiliza ainda mais, por conta do material conduzido didaticamente ao longo do projeto, assumindo sua função de passar adiante essa história que poucas pessoas conhecem, ou só riscaram a superfície. 

Dentro desse tópico formal, há algumas cartelas que cumprem breves margens dentro dessa narrativa que Gustavo McNair procura explicitar. Esse dispositivo é utilizado por conta de uma fragilidade do material de arquivo ou mesmo de um certo vácuo deixado pela montagem, mas acaba atrapalhando o ritmo da projeção, pois a vividez de seus personagens e histórias acabam sendo mais esporádicas durante “Môa, Raiz Afro Mãe”, que passa a oscilar demais por conta de uma certa burocracia na linguagem. Contudo, um grande mérito do documentário é conseguir transitar a história do protagonista com parte da história de Salvador e da cultura local, ampliando isso para uma escala nacional. Está certo que esse exercício não é de todo difícil já que a carreira de Môa se confunde com a produção cultural, mas a montagem faz um esforço para compreender as paisagens, politizando um plano despretensioso de dimensão geográfica e oferecendo ao espectador uma localidade palpável de tantos nomes de ruas e regiões que são citadas pelos entrevistados. 

De alguma forma, esse é o tópico formal mais agradável da obra, justamente por não personalizar demais o contexto e conseguir transmitir de uma forma mais ampla essa verve que é traduzida por Môa em suas composições. É quase como materializar aquilo que ouvimos em suas músicas e sons. Portanto, “Môa, Raiz Afro Mãe” não é só um filme sobre o Mestre, mas todo um movimento cultural e social que emerge dessa particularidade temporal e local que é apresentada pelo documentário, que se expande para uma dimensão nacional na medida que representa uma realidade, e identidade, que se avoluma na tela grande. 

A importância de “Môa, Raiz Afro Mãe” é inenarrável, mas falta consistência para o documentário se consolidar fora de um eixo programático e formulaico de produção contemporâneo. Aliás, a utilização dos dispositivos que facilitam a estrutura da montagem, soam como recursos imediatos de funcionamento da obra audiovisual, quase como uma modelagem. Essas dimensões são encontradas em diversos momentos do filme, mesmo quando o tributo consegue se destacar dessas fragilidades. De alguma forma, todo o processo enérgico que está disposto nas imagens, não consegue transmutar para um longa que se burocratiza no desenvolvimento. Ainda assim, é necessário que haja uma repercussão positiva, para que mais pessoas possam ter conhecimento da história do Moa do Katendê, do Afoxé Badauê e da cultura brasileira que não se encontra apenas no eixo Sul-Sudeste, na cultura branca ou na bossa nova de dentes expostos da Zona Sul carioca. 

E sem se apoiar no atual contexto político do Brasil, o filme pode ser controverso para uma parte do público, mas entrega um produto que não se caracteriza pelo presente e sim pelo passado e o legado.  

3 Nota do Crítico 5 1

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