Mis Hermanos Sueñan Despiertos
Sem fechar os olhos
Por Vitor Velloso
Durante o Festival de Locarno 2021
Um dos representantes chilenos na “Concorso Cineasti del presente”, “Mis Hermanos Sueñan Despiertos” de Claudia Huaiquimilla é um filme que se apoia em certas tradições latinas para construir uma obra dedicada aos garotos que perdem suas vidas encarcerados. Aqui, a ideia do fantástico dá lugar ao sonho e como disse Mano Brown certa vez: “Sonhar machuca”. O pêndulo latino-americano é estar entre a esperança e o desespero, sintetizou Darcy Ribeiro ao falar de Glauber, e esse dilema do subdesenvolvido é traduzido na história de Ángel e Franco que procuram razões para se manterem vivos diante da realidade em meio às memórias, reais ou não.
De um lado, a culpa e o sentimento de responsabilidade, do outro a depressão de não sentir-se querido em nenhum lugar. As chagas históricas do Chile são revividas de maneira acachapante pela geração que está vendo a Constituição de Pinochet cair, mas da mesma forma que todos os países latino-americanos, esse vácuo gerado na queda de um pilar institucional da ditadura abre um diagnóstico das heranças deixadas pelo terrível período. Os agentes carcerários são truculentos e atacam as crianças sem piedade alguma, o Estado é o principal meio dos instrumentos de repressão e a esperança é constantemente interrompida por uma nova barbaridade. O abandono materno e paterno deixa os protagonistas em uma situação onde só existem eles para lidar com a realidade. Quando sonhar não é o suficiente para um, o fim parece a solução para o outro.
Nesse jogo de um fim iminente, “Mis Hermanos Sueñan Despiertos” articula a narrativa em torno de uma crescente revolta que se traduz no sonho coletivo, o pesadelo do real e o desejo de liberdade. Quando os meninos se reúnem para torcer para o Colo-Colo, é possível lembrar da torcida colocando o Felipão para correr, lembrando de suas declarações elogiosas à Pinochet, e ainda teve jornalista mal-caráter (Milton Neves) que foi defender o treinador, omitindo diversas informações, e fazendo saudação à Paulo Guedes. Não por acaso os cantos em sequência clamam por Revolução e os meninos se veem unidos como nunca.
O título da obra encontra explicação em uma cena onde uma mulher do serviço social pede aos presentes na sala que fechem os olhos, na tentativa de fomentar o poder imaginativo, e um deles diz: “Aqui não se pode fechar os olhos”. E essa incapacidade que acomete os povos subdesenvolvidos é traduzido na lírica impossível que Huaiquimilla tenta transpor nas breves digressões da realidade. Por outro lado, o rigor dos espaços fomenta que os caminhos labirínticos da prisão separam os meninos da realidade e do próprio senso coletivo. Sofrendo em silêncio e sozinhos, a ambição em deixar o cárcere possui dois lados distintos, a morte ou o motim, mas o alerta vem em seguida: “Nem todos vão conseguir”. É como DK diz em uma música “tô vendo adolescentes que já passaram dos trinta”.
“Mis Hermanos Sueñan Despiertos” reconhece a materialidade de sua narrativa a partir das histórias de seus personagens. Não poupa esforços para mostrar a realidade agonizante, mas não cede à vulgaridade de provocar embrulho no espectador com dispositivos baratos, é consciente de suas decisões e não deixa o trabalho despencar nos recursos fáceis. Por essa razão, o filme é mais cru que a sinopse deixa transparecer, pois apesar do sonho ser uma nota recorrente, é a coletividade e seus sofrimentos que dá o tom em meio a realidade. O plano dos jovens deitados no chão compartilhando o silêncio é único, quando a fala atravessa ara contar a história de uma injustiça a anedota se encerra com a maldição do personagem e sua incapacidade de mudar seus rumos. O longa-metragem de Huaiquimilla é sólido e sintético, não perde tempo com dispositivos e não cede espaço para recorrências industriais em sua forma. Até mesmo o romance amaldiçoa a vida dos personagens.
O sonho Felliniesco do subdesenvolvido é a produção de Criolo: “Corre pro santo que tá dizendo, Eles não vão cuidar de você, Havia um menino responsa no trilho, Não foi quadro de Monet, Traçante no coco dos peito de aço, Falou um bolão, cadê você? ,Parafal e granada, favela em desgraça, Só agrada o dono do poder, 2020 afogando os Nazi, Eu nem sou violento, nem quero ser, Entrada de ano trocando no asfalto Se tiver de Pálio, vai morrer.”