Milk – A Voz da Igualdade
Nada contra, até tenho amigos que são
Por Vitor Velloso
O diretor Gus Van Sant trabalha de forma primordial, no início de sua carreira, em torno da finitude da vida e como ela é: efêmera em um contexto sociopolítico, principalmente na História dos Estados Unidos. Em “Milk – A Voz da Igualdade”, isso se dá através de uma solução temporal e didática dada através do início da projeção, que já nos revela o fim da trajetória de nosso protagonista, para os que desconhecem, assim como sua posição de assumir a fala diante de um gravador, sentado em sua mesa. O tom de tensão que o filme promove para o assassinato de Harvey Milk é um contraponto da própria estrutura narrativa que busca celebrar seus feitos e lutas identitárias ao longo de sua vida. E esse jogo funciona de forma parcial, pois é construído de maneira progressiva, a ponto de dar conta da importância da figura para a luta pelos direitos dos gays, uma causa humanitária que deve ser compreendida fora da proposta odiosa e retrógrada de determinados setores da sociedade.
A construção dramática de “Milk – A Voz da Igualdade” é feita através da campanha de Harvey Milk e todos seus colaboradores, que impõe um amplo espaço de respeito à essas figuras, já que são de suma importância para a vitória, ainda que tardia, por meio de votação. O problema está essencialmente na maneira como estes personagens surgem e desaparecem da trama sem grandes consequências para o enredo. E essa falta de espaço dramático para estas figuras, se encontra no próprio protagonista que não possui um desenvolvimento para seu ativismo, que é interpretado pelo espectador a partir de seu relacionamento com Scott (James Franco), que o envereda para determinadas causas hippies e progressistas que culminaram na sua árdua tentativa de se eleger. Mas tudo parece partir de uma leitura pouco contextualizada do cenário político e social do momento, tratando apenas de uma vertente da sociedade, através da mídia, que são os fundamentalistas religiosos, que na falta de argumentos ressuscitam um texto milenar, escrito por homens, em nome de Deus e de uma heteronormatividade que expõe toda a fragilidade do sistema ortodoxo capitalista que rege o planeta.
Assumidamente gay, Gus consegue impor parte dessa luta como uma verve de necessidade de expressão e da vida dessas pessoas, mas não dá conta de tratar dos momentos cruciais para o debate, como a repressão da polícia e a violência ao qual são submetidos, o que transforma o assunto em um núcleo bastante isolado e pouco amplo como se dá o tom ao longo da projeção. E essa bipolaridade que o projeto acaba deixando escapar, comprometem diretamente com o discurso presente, já que não é capaz de assumir uma postura política histórica e dialética em meio a todos os acontecimentos.
Desta forma, cabe ao espectador criar essa empatia com o protagonista e com sua causa, para que o efeito possa surgir a partir do carisma que Sean Penn consegue reverberar ao longo do filme. O ator levou o Oscar para casa na edição em que competiu, de forma merecida, pois carrega grande parte do tom dramático aqui presente, nas costas, tendo pouco suporte da montagem, que está interessada em momentos muito isolados dessa história. Assim, fica claro que a encenação proposta por Gus Van Sant, é essencial para o desempenho do longa, pois encarna com maestria uma urgência em sua luta direta, ao passo que é capaz de isolar determinados elementos e/ou objetos desse texto fílmico. A decupagem do diálogo durante o batismo é um exemplo disso, não só porque destaca um segmento daquele ambiente, como confronta o próprio dogmatismo na intervenção que é feita no quadro.
“Milk – A Voz da Igualdade” sabe exatamente por onde caminha e consegue fazer isso sem perder seu ritmo, mas acaba comprometendo parte da experiência por soar incompleto ou editado demais, permitindo que parte das discussões se percam com determinados personagens ou passagens históricas excessivamente corridas. Ainda assim, é um projeto fundamental para a compreensão da luta dos homossexuais em território norte-americano e como o fundamentalismo, recorrente, dos mesmos é capaz de tirar vidas. E através de uma parábola curta e quase seccionada do filme, que acaba sendo abandonada pelo roteiro, transmite o desespero de nascer fora dos padrões ditados pela elite do capital, que joga seu liberalismo de forma canhestra e impacta a vida de milhões de pessoas. Refiro-me, claro, ao cadeirante.