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Mil Cortes

"Nós estaríamos em uma grande..."

Por Vitor Velloso

Durante o Festival É Tudo Verdade 2021

Mil Cortes

A “globalização” é o termo eufemista que o imperialismo passou a ser chamado, a ideia é a mesma e sua prática segue a todo vapor. Porém, os países no topo da cadeia alimentar transformaram a influência em algo midiático e circense, utilizando os países subdesenvolvidos e de capital dependente (alvos mais fáceis) para dar prosseguimento à mesma prática vastamente aplicada no século XX. “Mil Cortes” de Ramona S. Diaz acompanha a perseguição que Rodrigo Duterte encabeçou contra Maria Ressa, CEO do Rappler, para tentar minar qualquer tipo de crítica feita ao seu governo.

Duterte é conhecido na política internacional por ser violento, encerrar com a liberdade de imprensa, utilizar da mídia popular para criar uma rede de fiéis, louvar a morte, ser responsável de forma direta por assassinatos, possuir uma milícia particular que age em seu favor etc. Apesar da descrição criar algumas dúvidas sobre quem a referência direciona, Duterte é uma figura de possíveis assimilações, mas difícil conceituação. Seu autoritarismo possui uma multifacetação que vai de artista pop apoiando, à declaração direta de homicídio de pelo menos duas pessoas. Desta maneira “Mil Cortes” inicia sua trajetória com a pré-campanha, as formas de resistência direta ao governo autoritário, parte dos civis nas Filipinas em apoio ufanista, munidos da bandeira nacional, discurso anticorrupção e todo o projeto que já conhecemos bem. 

A partir daí, a costura que o longa realiza, mira diretamente expôr a verdade sobre como Duterte passa a perseguir a imprensa, em especial Ressa, que se posiciona criticamente contra suas atitudes. Porém, de maneira similar em outros locais do planeta seu regime está mais em como inflamar os fiéis a seu favor, que apenas criar uma base discursiva oficial que demonstre o brio com a violência. Para isso, o documentário utiliza um vasto material de arquivo, com forte presença de redes sociais, discursos e fake news em massa. A estratégia é compilar toda essa máquina de destruição democrática para mostrar que esta “guerra” é um massacre, já que nem os direitos de Ressa são mantidos. Neste campo, o filme é hábil em mostrar que a liberdade de imprensa se encontra em crise absoluta nas Filipinas, assumindo ele próprio o retrato desse cerco, a partir de uma linguagem que dialoga diretamente com o jornalismo. 

As entrevistas possuem gatilho rápido, são quase como imagens de apoio, mas o conteúdo contribui para a unidade. A objetiva captura essas articulações de Duterte, mas sempre da perspectiva de Ressa. Quando o autoritário aparece em tela, é por material de arquivo ou capturas breves de um momento conjunto. Apenas Mocha Uson, cantora e reacionária, possui alguns minutos reservados durante essa construção, ainda assim, quando está em trânsito. “Mil Cortes” sabe trabalhar com esse suposto “desprezo” (na verdade, ódio) pela mídia, pelo próprio filme em si. Não criar grandes rodeios para ser incisivo de forma constante ao traçar um perfil para esse “populismo autoritário” e como essa base de ódio é formada por narrativas tendenciosas (pior que Fake News), notícias falsas em si, reforço dos “valores” e da “moral”, preservando o bem-estar da “população de bem”. Neste ponto em particular o filme consegue algo relevante para se posicionar e entrevista outras mulheres que estão na linha de frente do jornalismo político crítico e que presenciaram cenas de extrema violência vindas do Estado. 

O que vinha de maneira explícita e direta, há tempos: “Só porque é jornalista, acha que não pode ser assassinada”. O processo eugenista iniciado por Duterte, literalmente assassinando a população mais pobre, em nome de uma guerra “contra as drogas, corrupção, criminalidade, vagabundagem”, segue em curso. Ressa cria um esforço para ter seu direito como profissional, realizar um trabalho jornalístico crítico com o Rappler e realizar um diagnóstico da situação política no país. Mas a extrema-direita faz isso com um apoio fanático que vai minando qualquer possibilidade de escapatória do ciclo vicioso eugenista e “descebrado” que se expande pelo planeta, com influência explícita dos países imperialistas. Esse “patriotismo” presta continência para a bandeira que mais permite o capital estrangeiro fortalecer a burguesia nacional e “Mil Cortes” reconhece isso como um jogo circense e midiático. 

Mas se Orban, Salvini, Duterte e outros, podem assustar na avalanche simultânea, a América Latina enfrenta monstros similares há algum tempo e o front não mudou tanto, com sorte (assim esperamos), a decadência particular é uma tônica comum que permite vácuos, para o bem e para o mal. 

4 Nota do Crítico 5 1

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