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Meu Tio José

Fantasmas, memórias e seus conflitos

Por Vitor Velloso

Durante o Festival do Rio 2021

Meu Tio José

“Meu Tio José” é um filme que demonstra a força da animação brasileira e a capacidade do gênero de debater a realidade nacional a partir da liberdade que o formato permite. O longa de Ducca Rios possui uma narrativa que se estrutura em torno da resistência política à ditadura militar e o contexto histórico da “Diretas Já!”. Partindo da perspectiva de um jovem, o projeto investe no didatismo para articular um desenvolvimento que não se debruça na violência de maneira explícita, mas não cede à inocência ideológica.

Um dos maiores méritos aqui é justamente encontrar um tom adequado que consiga dialogar com o público adulto e ser acessível para adolescentes, sem excessos. Ou seja, “Meu Tio José” cita a luta armada, as memórias descritivas de um tempo sombrio que parte de seu público não viveu. E essa exposição é de suma importância na relação de seus personagens, nos dramas vividos pela tentativa de assassinato do personagem título e na maneira que o filme demonstra o conservadorismo da escola de Adonias. Aqui, a sociedade não é exatamente um tema recorrente, mas sim as instituições que corroboram para o consenso, um exemplo disso é que o próprio garoto que pratica bullying e repete à exaustão que é contra comunistas (mesmo que não sabia o que isso signifique), não passa de uma mera projeção de seu pai militar.

A linguagem da animação não procura uma experimentação que deforma sua representação ou qualquer maneira de deturpar sua realidade a fim de provocar algum estímulo imediato, ainda que seja capaz de trabalhar com seus limites formais para dinamizar algumas sequências. Porém, sua investida no preto e branco com a utilização do vermelho para objetos específicos, reforça a necessidade de diferenciar seus personagens por suas lutas políticas e o grande destaque visual gerado, transforma a vibrante cor em um grande alvo no meio de tanto cinza. Sem dúvida o recurso funciona como uma certa muleta que ajuda a expôr uma certa polaridade política inerente ao contexto ali retratado e ao Brasil contemporâneo. Essa ponte temporal é menos sólida que poderia, pois acaba cedendo a alguns estereótipos e mantendo-se em um lugar comum que pouco acrescenta em uma possível interpretação mais densa dessa sociedade. Assim, “Meu Tio José” pode dialogar com diversos públicos e faixa etárias, com diálogos expositivos e demonstrando a violência da ditadura, os assassinatos e torturas. Tal construção é feita com auxílio de uma ambientação que apresenta diversos elementos que somam na representação histórica, com cartazes espalhados e pichações que traduzem aquilo que o eixo central do projeto não seria capaz de abarcar.

Contando com grandes atores no elenco de dublagem, entre eles Wagner Moura, Tonico Pereira e Lorena Comparato, a voz do protagonista Adonias não combina com seu personagem e destoa de maneira aguda dos demais. Tal percepção vem de uma possível finalização mal polida, já que o próprio volume de sua interpretação vai oscilando durante a projeção. De toda forma, apenas esse aspecto técnico incomoda no longa, onde a trilha sonora consegue bons momentos para transmitir os momentos de tensão e perseguição, além da melancolia inerente ao acontecimento basilar. Mesmo quando investe em uma comicidade maior para conquistar seu espectador mais novo, “Meu Tio José” não perde o controle de suas discussões políticas e mantém as temáticas amarradas sem grande esforço.

Tal como “Tito e os Pássaros” (2018), o filme de Ducca Rios constrói uma representação da realidade brasileira através de uma ficção consciente de seus desafios, sem fugir dos mesmos. É uma demonstração da maturidade atingida pelas animações brasileiras e das inúmeras possibilidades de articular um universo com a criação de seus contextos e com uma encenação particularmente criativa. Se o Brasil ganhou espaço no cenário internacional nos últimos anos, isso aconteceu por um aumento nos investimentos e principalmente na atenção que os festivais passaram a dar para tais obras, uma contribuição sem precedentes que só tem a acrescentar ao nosso cinema.

4 Nota do Crítico 5 1

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