Medusa Deluxe
Reflexo e paralisia
Por Vitor Velloso
Os catálogos das plataformas de streaming exibem cada vez mais projetos que procuram uma assinatura particular ou a verve referencial de outros autores, seja como tributo ou uma estética de marca d’água de uma bagagem cultural. “Medusa Deluxe”, de Thomas Hardiman, caminha entre esses dois pólos, alimentando-se de Agatha Christie, Almodóvar, Gaspar Noé e outros autores, trilha uma singular narrativa que procura exibir um universo estético tão exuberante quanto volátil.
O “clímax britânico” é uma montanha russa de sensações ao longo de sua projeção. Iniciando com fofocas, intrigas e morte, o espectador cai de paraquedas em uma espiral de conspirações, onde o telefone sem fio impera nas relações interpessoais dos personagens e as histórias orais vão ganhando corpo e contradição. Nesse primeiro momento, a trama soa interessante, podendo fisgar parte do público que se entregue ao longo plano sequência dessa narrativa que não possui um eixo específico que seja visível, mas sim orbita em torno de algo que não se apresenta diante da objetiva. Desta forma, a explícita relação entre um escalpelamento e o corte de cabelo, parece tão tola que soa cômica nessa estrutura de investigação sem um investigador de ofício. Intencional ou não, a forma satiriza o gênero que a inspira, brincando com os referenciais enquanto promove seu show particular de cortes de cabelo, fotografia e manutenção rítmica da imagem sem corte. O maior problema é que esses esforços não são capazes de sustentar a arrastada projeção, que vai tornando-se maçante a cada minuto que passa, tanto pelos personagens, em sua maioria desinteressantes, quanto pela repetição de intrigas e situações de conflito.
Desta forma, tão próximo de “Clímax” (2018), de Gaspar Noé, “Medusa Deluxe” quase abraça a frivolidade de um “Demônio de Neon” (2016), de Nicolas Winding Refn, se perdendo em meio às barbaridades encantadoras de um mundo que se esvazia na própria imagem. Porém, Thomas Hardiman consegue, pelo menos, compreender parte do conflito de consciência de classe existente em sua narrativa, se esforçando para trabalhar de alguma forma nesse campo de discussão, mesmo que sem sucesso. Suas exposições acabam terminando em pequenas reflexões, já saturadas, na forma como esse jogo vai se apresentando, quase como alguns microcosmos repleto de conflitos que são seccionadas em blocos, de acordo com o objeto que está em cena naquele momento. Por essa razão, a escolha do plano sequência para a construção do projeto, acaba complexificando uma estrutura que soa tão simples, pois as transições são feitas a partir da própria imagem e não de uma interrupção dela.
Sem grande sucesso para sustentar a gama de personagens, “Medusa Deluxe” se perde em um marasmo paradoxal de sua narrativa, já que a sensação de correr contra a esteira acaba sendo inerente à uma experiência que não chega a lugar algum, nem mesmo neste jogo cênico claustrofóbico de um bastidor macabro e belo. As ironias, hipocrisias e contradições desse sistema de classes apresentado pelo cineasta, torna-se o único grau de interesse possível em uma projeção monótona, onde o suposto elemento exótico não sustenta sequer uma sequência verdadeiramente sólida. E se as referências são uma marca registrada do filme, poderia ser feita uma aproximação com o vencedor da Palma de Ouro, “Triângulo da Tristeza” (2022), de Ruben Östlund, em seu vazio existencial inerente à qualidade da própria crítica. Onde sociedade e recorte vão se confundindo, falta densidade ao projeto, que registra seu limite na metade de sua exibição.
É sintomático que haja tantos projetos que tornam-se vazios com tantas ideias no tabuleiro, pois tais filmes acabam sofrendo de excessos de citações indiretas, perdendo sua personalidade almejada para as próprias referências. “Medusa Deluxe” tenta esconder seus vácuos em uma comédia que finge se metamorfosear em uma estrutura de breves reviravoltas, como se descamar um corpo vazio pudesse resolver a falta de sua completude. Assim, essa forma pode até ganhar contornos estranhos, mas reforçando que a silhueta não basta, nos resta juntar alguns cacos e tentar tirar da superfície alguma discussão relevante, o problema é encontrar algo quando a fonte seca o recipiente.