Mostra Um Curta Por Dia 2025

Maria Callas

Está no Passado

Por Letícia Negreiros

Festival de Veneza 2024; Mostra de São Paulo 2024

Maria Callas

Pablo Larraín carrega em sua trajetória um fascínio por grandes figuras femininas trágicas do século passado. Nos trouxe “Spencer” (2021), nos mostrando a breve vida da princesa Diana (pela atriz Kristen Stewart), e “Jackie”, sobre a primeira dama dos Estados Unidos, Jacqueline Kennedy (encarnado cirurgicamente pela atriz Natalie Portman). Juntando-se novamente ao roteirista Steven Knight, agora nos apresenta o término de sua trilogia sobre personalidades femininas: “Maria Callas”, drama sobre a trajetória de Maria Callas, talvez a maior cantora de ópera que já existiu. Quem lhe dá vida é Angelina Jolie, em uma performance indicada ao Globo de Ouro 2025 (e aguardada ao Oscar).

Callas era, antes de absolutamente qualquer coisa, uma artista. Para ela não havia vida fora do palco, longe da música. Larraín traz essa urgência para sua narrativa. Já afastada dos holofotes há algum tempo, Maria ainda se apega a eles na forma em que vê a realidade. Seu mundo – distinto daquele em que vive, é um outro mundo em que ainda faz uma pequena questão de perceber e participar – é uma extensão da ópera. Temos vislumbres de seu passado nos palcos: luzes quentes, bem marcadas e intensas. Seus instantes de persistência nas ruas e seu íntimo no apartamento tentam reproduzir aqueles momentos, mas não são a mesma coisa. Uma luz esverdeada, de um frio azulado mancham a reprodução. Seus dias de glória estão no passado, como a própria diva pontua. 

Maria Callas”, filme de abertura da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo 2024, nos leva de volta aos últimos dias de sua musa, por isso nos traz muito mais a persistência de se manter viva – e sã – do que de fato uma ode à vida que viveu. O longa de Larraín é escrito por ela mesma, uma extensão de sua auto-percepção. Tudo é cênico, um teatro. As claquetes reforçam o documentário teatralizado que é o longa. São da ópera, mesmo que sejam-lhe um elemento estranho. A entrevista que cede a Mandrax, seu repórter e pílula – talvez para depressão, talvez para lidar com o fantasma de Onassis, talvez apenas pelo vício -, é uma personificação de sua linha de pensamento. As inserções de filmagens em película se dão pela percepção de si mesma como ícone, por se ver como um marco histórico, tal qual Marilyn Monroe cantando parabéns para o presidente Kennedy. 

Esse pedestal, acompanhado de todo um aparato cênico, traz consigo fantasmas. A exigência de retornar ao que era, de recuperar a própria voz é o que move o enredo. A penteadeira que a põe em destaque, tal qual os holofotes de outrora, os bustos no íntimo do apartamento, são uma lembrança da fama. Era constantemente observada e admirada, mesmo que as estátuas tragam agora um semblante de julgamento. Tudo que é fruto da autocrítica que Maria imprime em sua autobiografia. 

O longa, no entanto, passa, passa, passa… e acaba. E passa batido. “Maria Callas” é uma daquelas histórias como tantas outras, que lembra algo impactante, importante para muitos, muitíssimo até, mas se esquece. Traz lembranças fortes, mas é imposta uma metamorfose em que se faz esquecer. Larraín não nos proporciona o gritante que esse passado exige. É um apenas isso. Apenas mais um filme, sem nada muito marcante. 

Tem suas distinções, é verdade. Os planos em que se entrevê por frestas, sejam pelas portas ou pelas araras de figurinos antigos nos tornam enxeridos – tal qual todo espectador, agora é apenas mais palpável. Os movimentos de câmera, vindos de muito longe e nos colocando muito perto, nos trazem de um lugar de curiosidade e depois nos colocam como invasores. Somos transformados em fãs obcecados, dos que não tem um mínimo apreço pela privacidade. As sensações são impressas no início do longa e empolgam. São hipnóticas. E então, se perdem. “Maria Callas” faz isso na maioria de suas peculiaridades. Perdemos as frestas, a curiosidade, a sensação de fã. Ficamos apenas com alguns momentos de câmera instável, marca da invasão do espaço pessoal. Vemos apenas a história passar. E esquecemos. 

Larraín, no entanto, coleciona indicações nessa temporada de premiações. Indicado ao Leão de Prata, ao Prêmio Especial do Júri e ao Prêmio de Melhor Roteiro Festival no Veneza 2024, “Maria Callas” também ostenta indicações de atuação. Mesmo tendo sido desbancada por Fernanda Torres, indicada por “Ainda Estou Aqui” (2024), Angelina Jolie foi contemplada pela terceira vez pelo Globo de Ouro. Antes a atriz foi indicada em 2008 e 2009, por “O Preço da Coragem” e “Changeling – A Troca”, respectivamente. 

Ao lado de “Jackie” (2016) e “Spencer” (2021), “Maria Callas”, como já disse, compõe a trilogia de Larraín sobre essas mulheres do século XX, suas musas. É um filme que, apesar dos pesares, merece ser conferido. Todo filme merece ser assistido ao menos uma vez, avaliado e julgado pelos critérios de cada um. Lembramos que neste momento é talvez bem importante o documentário “Maria Callas – Em Suas Próprias Palavras” (2017), de Tom Volf, disponível na plataforma de streaming Reserva Imovision.

2 Nota do Crítico 5 1

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