Curta Paranagua 2024

Máquina do Desejo – 60 Anos do Teatro Oficina

Secos em julho, verdes em janeiro

Por Vitor Velloso

Durante o Festival É Tudo Verdade 2021

Máquina do Desejo – 60 Anos do Teatro Oficina

Na esteira de 60 anos de Teatro Oficina, “Máquina do Desejo 60 Anos do Teatro Oficina” de Joaquim Castro e Lucas Weglinski é exibido no É Tudo Verdade buscando reproduzir o ímpeto na resistência política frente à opressão. Entre o desejo e a carne, as vísceras e o delírio, o filme retrata a trajetória de Zé Celso e do grupo de teatro de maneira didática, compreendendo os momentos históricos para as reformulações e peças que marcam esse processo. O material de arquivo é vasto, gerando um esforço de utilização de diversos recortes, entrevistas e depoimentos do momento retratado, a fim de dar essa pessoalidade para o movimento, não tratando da utopia e nostalgia de maneira conservadora e/ou expositiva. 

Parte do público pode se sentir no transe dos movimentos sessentistas, entre o modernismo tardio e a antropofagia, mas a contextualização necessária para essa linha espaço-temporal direta é feita de maneira consciente tendo em perspectiva a contemporaneidade. Talvez menos crítica que alguns desejariam assistir, mas com força suficiente para apartar grilhões anacrônicos. Não acredito na categorização homônima para o artista protagonista, mas compreendo uma gama de críticas possíveis. Contudo, Zé Celso não é o grande eixo norteador do projeto, apenas o “apresentador”. A costura que “Máquina do Desejo” constrói é eficiente em demonstrar o vigor e brio que regiam aquelas pessoas, uma geração que estava além do teatro, mas em todos os campos culturais de um país que agonizava na repressão da ditadura dos covardes fardados. 

Por essa razão, o filme funciona como um registro direto da mentalidade de como representar a brasilidade em seus caos mais organizado. Encenando o inominável e verbalizando o intragável. Esse espírito direto de uma diretriz entre “cu e cabeça” faz com que a montagem busque essa digressão a partir da forma, mas criando a diretriz de uma “didática da dialética, sem uma base que precise reforçar constantemente que não se trata de uma reprodução e sim de uma projeção de determinadas ideias para sua figura central, o Teatro Oficina. Zé Celso surge exatamente como a mediação entre as duas divindades, é espalhafatoso, vaidoso, sem deixar a provocação de lado. Mas “Máquina do Desejo – 60 Anos do Teatro Oficina” não investe tanto em seu fabuloso personagem, materializa o processo do Oficina a partir do arquivo, com habilidade ímpar. Reconhecendo essa centralização política, econômica e social do Teatro e do movimento, recorre às veias abertas do que essa memória transformou em presente. 

Abre às necessidades contemporâneas de uma revisão crítica de nossa história cultural, a partir de um materialismo necessário para compreensão da trajetória de nosso subdesenvolvimento e dependência econômica. Quando este país permite que haja uma disputa entre Zé Celso e Silvio Santos, temos a síntese da decadência burguesa que foi levada como projeto até os dias contemporâneos, findando nos reacionários que já conhecemos bem. 

O documentário vai caminhando para essa transa entre tempos e cadenciando suas imagens com uma montagem que embarca nos delírios possíveis da antropofagia. Oswald vai assumindo o controle desse balaio antropofágico e o longa dialoga com umas frentes que clama poesia e expressa suas forças, projeta a trajetória de um grupo que se esforçou para dar alguma cor para esse Brasil, tão… sim, cinza. “Máquina do Desejo – 60 Anos do Teatro Oficina” não consegue desapegar de alguns arquivos e acaba insistindo em momentos mais longos que pesa um bocado no ritmo durante sequências isoladas. Fora isso, o barato flui bem e o clássico misticismo em torno da imagem de Zé é substituído por uma espécie de racionalidade criativa. Neste aspecto, a objetividade do documentário é de uma eficiência inequívoca pois não investe no personagem, mas permite que o anfitrião crie os devaneios necessários para que não haja racionalismo excessivo nessa transa. 

Os filhos de El Dorado são muitos: o homônimo de Castro Alves, Rei da Vela, Zé Celso, Caetano e até um tal de Brasil. Mas o que o Teatro Oficina fez com a cultura, deve ser louvado e o filme sabe fazer isso.

“Olha o brilho nos olhos daqueles que sofrem
Seu sangue, seus cantos de trabalho
Que deram cor a essa bandeira, brasileira
Depois que chove
Algo acontece, magia
Minha mãe, minha filha, imitam minha vó
Dançando descalço em volta da fogueira ô ê ô
As pedras que constroem os muros do Centro
Refletindo o vermelho que ao gueto atinge” Gameleira, FBC.

3 Nota do Crítico 5 1

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