Mandado
Nada além
Por Ciro Araujo
Durante o Festival de Brasília de 2022
Cinema político é essencialmente um perigo. Seja em sua produção, ou nos seus desdobramentos. Ou, como é o caso de “Mandado”, longa-metragem dirigido por João Paulo Reys e Brenda Melo, que foi exibido no 55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro: um filme fora de seu tempo, no qual novos acontecimentos começaram a desconfigurar a motivação da obra. Compreender o estado atual da ex-capital do Brasil é essencial para entender os integrantes contemporâneos da política do país. Também as temáticas de prioridade que existem nele, como a segurança pública. É nesse estado que a obra da dupla carioca se faz necessária. Porém, desgastada.
Um filme produzido por muitos, pronto depois de anos. O título inicial homenageia diversas pessoas que tiveram seus caminhos intercruzados com o documentário, mas que faleceram antes da finalização. Em um estado federativo deveras problemático, no qual muitos cernes modernos brasileiros estão presentes, a coragem toma parte do protagonismo. Se, existe tal força, como aplicá-la na tela? Durante os curtos setenta minutos de “Mandado”, essa pergunta nunca é respondida, porque a obra não encontra solução alguma para sua própria forma. Existe um mal dentro do documentário que é aplicação de conteúdo e narrativa, de faltar com a necessidade de dramaticidade e produzi-la. Eduardo Coutinho conseguiu masterizar completamente a técnica, especialmente em suas entrevistas. Porém, João Paulo e Brenda Melo parecem presos em algum limbo cinematográfico.
É difícil criticar algo assim citando justamente um modelo primordial para, como se fosse injusto realizar tal comparação. Mas que seja, existe ainda essa problemática de se encontrar quais são os problemas que transformam o longa-metragem em um insólito apanhado de perguntas e respostas a respeito do estado da cidade do Rio de Janeiro pós Jogos Panamericanos de 2007 e Olimpíadas de 2016. A história das Unidade de Polícia Pacificadora é quase um tema centralizadíssimo dentro do cinema fluminense hoje em dia. Chega a ser estarrecedor, vermos os desandares desde “Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora É Outro” (que daria um pano de fundo para as conversas sobre, juntamente com a existência das milícias), ou até mesmo o recente produzido por Darren Aronofsky, “Pacificado”. De fato, ambos exemplos muito narrativos, ficcionais, narrativos e dramáticos. Mas, qual é a diferença entre um no qual, à lá Globo Repórter se usa da situação para reproduzir cenas nas quais trilhas sonoras extremamente condicionais procuram ditar o ritmo do longa-metragem?
É nesse sentido que João Paulo e Brenda entregam sua obra. A condução é vacilante, desfaz através da falta de conteúdo potencializador, ou melhor: catalisador. O que há ali de tão interessante que se sobressaia sob os outros? Um produto que não foi atualizado, na qual a morte por exemplo de Marielle, por mais que reverbere na sala de cinema, não seja tão potente. Sua fala é muito por sua importância, não pelas palavras contidas nela em si.
Acaba soando ríspido, mas “Mandado” é produção esquecível. É triste, pois se utiliza de imagens também importantes de arquivo, possui sua data de produção e todo seu trabalho que envolveu um campo político social de extrema importância para o Rio de Janeiro. Mas de nada contribui para ou adicionar ou reverberar com alguma força política. É necessário reiterar aquela ideia de perigo no cinema político: há tendências nesse gênero, ao menos no Brasil, de se repetir sobre assuntos e não encontrar nenhum objeto de estudo que seja ao menos interessante. Ou melhor, que acabe soando como um achado arqueológico. O Impeachment (e golpe) de Dilma Rousseff é o evento exemplo mais bem encontrado nesse sentido. Houve e ainda há um interesse tão grande de cineastas sob essa ótica; porém o cosmos dessas obras resultantes disso é extremamente horizontal, pouco vertical. Servem apenas como explicações para gringos, estrangeiros. O cinema perde grande parte de seu poder, o documentário cria relações maiores com o jornalismo. Esse perigo com toda certeza não é necessariamente ruim, porém pode impactar fortemente um trabalho que não se solta, no qual esquece seu poder comunicacional. As palavras saem como meias palavras, sem muito sentido, em um Brasil que agora não é o mesmo seis ou quinze anos atrás. Tange todos os personagens envolvidos em uma Rio de Janeiro que vive da falta de respostas contra a solução da violência e segurança pública, enquanto esquece de sua população. Para além, não tem nada mais.