Mama Colonel
Um safari exótico que confronta nosso aguentar
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Berlim 2018
Exibido no Festival de Berlim 2018, saindo vitorioso com o de Melhor obra Grand Prix cinematográfica social com o prêmio do Júri Independente da Mostra Forum, “Mama Colonel” é muito mais que um filme etnográfico, sua antropologia acontece na essência pela condução orgânica, direta e necessariamente caseira, tudo para conservar a essência do instante em construir a intimidade do tema, que se humaniza com pessoalidade ao tratar da luta contra a violência sexual, principalmente por retratar macroações de policiais, neste caso feminina, que se exercitam, se maquiam e tentam entender o tanque do carro para “proteger a infância contra estupros de crianças pequenas”.
“Mama Colonel” também representa um documento sobre a tradição local com suas danças típicas de mulheres vestidas coloridas. A policial tenta salvar e prender e dá voz a estas mães e mulheres. “É um mundo machista. Quem vai defender?”, diz-se buscando o diálogo da dignidade com entendimento das limitações. Dirigido pelo documentarista Dieudo Hamadi (de “Atalaku”), o longa-metragem é arquitetado por missões coordenadas, principalmente mudanças em um vilarejo economicamente despreparado (ainda primitivo no básico progresso de existência). Nossa protagonista Mamãe Coronel precisa ser enérgica, perspicaz, protocolar, firme, temerosa e diplomática, tudo ao mesmo tempo. Não é uma profissão fácil. O estado de alerta é ininterrupto e alimentado por limitações causais, como regiões sem luz elétrica.
O filme nos apresenta o odisseia Congo de pobres paupérrimos vivendo sob condições à la o “mundo das cavernas”. É quase uma viagem ao tempo. E que, por estarmos em 2017, ano de lançamento do filme na África, soa ainda mais incômodo, reverberando pensamentos de “porquês” do não estar na “civilização”. Lugares reformados e/ou sem espaços. A Coronel Honorine Munyole pulula motivações ao trabalho e uma confiança incondicional. A cada dia, ao acordar, ela acredita que suas tarefas laborais salvarão ainda que momentaneamente os cidadãos, tentando sim fazer verão com todas as adversidades do caminho ao redor. É “botar ordem” em uma “terra sem lei”.
“Mama Colonel” é cinema direto. Amador nas ações reais (muito por causa de sua câmera que humaniza o instante e naturaliza o cotidiano do dia após dia). Honorine precisa ter sangue frio de barata para lidar com os problemas das comunidades e com os maus-tratos com as crianças. Nossa atriz social (sim, é um documentário, mas é impossível à pessoa que se submete frente à câmera não se mascarar com projeções comportamentais – quando se diz gravando, toda pessoa torna-se instantaneamente um ator em potencial) participa com formalidades militares (quase ultrapassadas e de tradições contrastantes) para lidar com o jeito “barraqueiro e escandaloso” destes indivíduos que observam a movimentação e/ou que são acusados, como a mãe que bate nos filhos para descontar a própria insatisfação do viver.
A Coronel faz um trabalho social. De assistência. Como ensinar a “não ficar em silêncio sobre o estupro”. E ou entender as situações precárias de vulneráveis e mutiladas. Cada um ali enxerga nela uma fresta de esperança. Neste momento, ficamos com pena, este o pior sentimento que algum ser humano pode ter por alguém. E a morte quase se torna necessária à proteção. É um filme de denúncia. De propagandear atos animalescos. De dar voz a quem não tem. Busca-se os direitos humanos, com defesas até na Bíblia. Vale tudo! Nós continuamos nossas digressões: até que ponto Honorine aguentará?
Sim, em “Mama Colonel”, nós não saímos imunes, que consegue quebrar nossa casca de desprezo (de “dar gelo”) e recuperar nossa humanidade. O que vemos é uma guerra particular, quase ínfima, contra a violência nossa de cada dia. Contra nossos monstros despertados quando se percebe que a punição não existe. É quase uma experiência visceral da série “Westworld”, só que aqui de carne, osso e sangue real. Pede-se ajuda e se pergunta: “Mas e o Governo?”. O espectador é “convidado” a participar de tribunais e imoralidades, como se fosse um “Safari exótico” que colabora com conhecimento geográfico, que viaja e que retorna ao final da exibição. Saímos do drama, da batalha, do inferno e podemos voltar a nossas vidas pacatas e tão repletas de “dúvidas”.
Pois é, a essência de todo e qualquer documentário é essa: causar emoções e despertar questionamentos. Confrontar nossas zonas de conforto e nos lembrar que os que assistimos como “atores” (improvisando para suavizar suas vidas) também são nossos próximos distantes. É por isso, que apesar do tom mais ingênuo, amador e caseiro, “Mama Colonel” é uma obra que precisamos assistir.