Mostra Um Curta Por Dia - Repescagem 2025 - Dezembro

Malês

Pequeno fenômeno

Por Vitor Velloso

Festival do Rio 2024; Mostra de São Paulo 2024; Mostra de Tiradentes 2025

Malês

Antônio Pitanga sonhou em fazer “Malês” por mais de duas décadas e afirma que almeja que a obra chegue às salas de aula, bancas dos saberes, quilombos e universidades, para que uma das mais importantes revoltas de pessoas escravizadas da história brasileira, a “Revolta dos Malês“, possa ser mais debatida e divulgada.

Essa ambição da lenda do cinema Antônio Pitanga resultou em um dos movimentos mais interessantes da exibição cinematográfica nacional dos últimos anos. Apenas como exemplo, quase diariamente as sessões no Cine Glauber Rocha, em Salvador, estavam recebendo turmas para assistir a Malês, como sonhava Antônio. O filme está em cartaz há mais tempo do que a maior parte das produções nacionais consegue se manter na janela comercial e tem despertado interesse não apenas de instituições, mas também de uma parcela do público que normalmente não assistiria a uma obra brasileira nos cinemas. Há diversos relatos de pessoas que decidiram ver o projeto na tela grande, seja pelo interesse na história da Revolta dos Malês, seja para prestigiar o cinema nacional nas salas de exibição.

Esse alvoroço se justifica por diferentes fatores. Um deles é o esforço em criar um retrato histórico claro para o espectador, especialmente na reconstrução da época. O trabalho de direção de arte, assinado por Rafael Cabeça, busca representar a Bahia de 1835 de forma sintética, reproduzindo elementos conhecidos por meio das pinturas da época e incorporando escolhas autorais que ajudam a compreender melhor o processo histórico, político, social e religioso da Revolta. No entanto, é evidente que o orçamento do projeto não permite uma reconstrução mais detalhada, fazendo com que as locações e a estrutura do roteiro sejam mais enxutas, sintetizando processos e reduzindo desdobramentos.

Por outro lado, “Malês” procura criar uma ponte direta com o presente, aproximando expressões e diálogos de debates contemporâneos. Isso gera uma leve sensação de anacronismo em algumas passagens, mas sem comprometer a imersão do espectador. Em função dessa proposta, o longa utiliza diálogos mais expositivos e aposta em um maior didatismo, uma escolha estética que amplia as possibilidades de compreensão e debate para o público.

Existem aspectos que podem dispersar a atenção do espectador. Algumas atuações não são totalmente convincentes, certos diálogos são excessivamente explicativos e determinadas situações parecem dramatizadas em excesso, tanto nas cenas de combate quanto nas intrigas internas do movimento. Ainda assim, o filme demonstra capacidade de criar imagens visualmente marcantes, resultado da concepção de Antônio Pitanga em diálogo com a fotografia de Pedro Farkas, que constrói quadros significativos, como o momento das machetes unidas e o segmento central ambientado na mesquita.

“Malês” apresenta fragilidades, sobretudo em sua estrutura dramática, que por vezes adota uma abordagem maniqueísta na apresentação de conflitos e personagens. Destaca-se a personagem Sabina, interpretada por Camila Pitanga, cuja dualidade é interessante por desejar a mudança, mas não conseguir ou não ter coragem de enfrentá-la plenamente. A centralização da narrativa em poucos personagens reduz a complexidade da Revolta e limita a exploração de aspectos históricos que poderiam ser aprofundados. Ainda assim, o caráter didático prevalece. O principal objetivo do filme é estabelecer esse universo de forma simples e eficiente, permitindo que o espectador compreenda a luta, se conecte rapidamente com os personagens e acompanhe cada novo estopim narrativo.

A importância de “Malês” transcende o cinema e abrange a educação e a memória histórica. O filme, ao tratar da Revolta dos Malês de maneira clara e direta, ajuda a expandir o entendimento sobre um evento crucial da história brasileira que, por um longo período, recebeu pouca atenção fora dos círculos acadêmicos. Sua presença em escolas, universidades e espaços de formação coletiva enriquece a discussão sobre a escravidão, a resistência negra e a diversidade religiosa no Brasil, possibilitando que diferentes públicos tenham acesso a essa narrativa. Nesse contexto, o filme serve como um instrumento valioso para incentivar reflexões críticas, fomentar o reconhecimento histórico e contribuir para uma compreensão mais abrangente e diversificada do passado brasileiro.

3 Nota do Crítico 5 1

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