Malcolm & Marie

O aroma do ideal

Por Vitor Velloso

Netflix

Malcolm & Marie

Após anos com contas que não fecham e alguns prejuízos, a Netflix decidiu investir em propaganda de perfume. “Malcolm e Marie” de Sam Levinson é uma imensa estilização da vida burguesa nos EUA, com suas sombras bem definidas, roupas elegantes, uma casa que parece um Pi, cigarros manejados como se a próxima frase fosse definir o slogan da Victoria’s Secret ou Calvin Klein. Contudo, o projeto da imperialista do streaming está longe de ser o único a montar um estilo de vida e vendê-lo, pelo contrário, a base de Hollywood é construída encima disso. A questão é que o longa de Levinson leva isso como estrutura de representação, utilizando-se de recursos estilísticos (literalmente) que pavimenta uma grande DR de uma hora e quarenta, fotografada para a próxima edição da Vogue.

O que soa ironia, sintetiza o espírito da indústria a partir da discussão de relacionamento e dos diálogos que buscam blindar a obra do que ela pretensamente “quis dizer”, aliás “cinema é o que eu quero”. O que há de verdade, há de falta de caráter aqui. Do alto da indústria, em pilhas de dólares (não lobo guará) e orçamentos escandalosos, a Bidenland urge contra o “cinema político”. Enquanto eles fazem piadinha, o Brasil enfrenta a maior crise política, econômica e cultural de sua História, o povo tenta sorrir e quem sabe… fazer cinema. Categóricos se erguem em John Ford e louvam a idealização, promovem a burguesia cinematográfica norte-americana com a pureza de um criacionista, prestam continência aos “valores” e escrevem em língua inglesa para conseguir alguns seguidores a mais. Essa é a situação da crítica cinematográfica nacional. Já os realizadores… Acho que tem pouca gente planejando o novo Lego.

“Malcolm e Marie” é um sintoma da decadência burguesa. É Hollywood cuspindo pro alto. Uma chatice sem tamanho que até tenta impor algumas questões dramáticas minimamente interessantes, onde passa por algum estudo de personagem fragilizado. Mas tudo é empatado pelo ego artístico industrial. Pra isso, o poeta deu a solução: “Nós furô os pneu da blaze”.

Cinema, meus caros, é filmar feira, gente comendo pastel, ressuscitar Ágatha em um clipe, cachoeira, transe, delírio. O cara de óculos é do terceyro mundo.

O longa é um fetiche totalizante de como a indústria pode servir para estilizações múltiplas e criar uma idealização do estilo de vida norte-americano. Até quando busca um diálogo com questões políticas diretas, falha por acreditar no centrismo de sua representação. Hollywood está longe de ser o centro do mundo, é só o palco para negociações privadas que irão manter a burguesia na situação. Nem a discussão de um casal foge dos planos de negócios. Os altos e baixos são planejamentos minuciosos de como romantizar o ego dele e os traumas dela. Aliás, a história dos Estados Unidos foi iniciada em diálogo extremamente polido da sociedade civil europeia com os nativos, não? Essa eterna idealização das narrativas possui sua melhor projeção na cultura de representações. Debate? Não. Assumir que Malcolm é um completo babaca narcisista? Não. Hollywood não pode assumir que seu ego seja projetado de maneira tão pejorativa. Licença poética: Ego de diretor.

O revisionismo não cessa e todo esse protótipo de propaganda de perfume e seu aroma imperialista é exibido nos lares de todo brasileiro que idealiza com uma casa em formato de Pi e uma DR onde todos fazem caras e bocas sensuais.

“Malcolm e Marie” chega com o melhor selo “Netflix de qualidade” e mostra que o liberalismo irá capitalizar sempre que puder, sem pudor. Zendaya e John David Washington são categorizados nos estereótipos da indústria e apesar de atuarem bem, são incapazes de salvar uma tragédia dessa. Para cada música que toca nesse filme, um neurônio se despede. Marc Glassman e Brett Hinton assinam uma das piores trilhas do ano e conseguem desestabilizar tudo que atravessam.

O barato é todo frágil, pouca coisa funciona na prática e o espectador deverá escolher entre tirar o som de toda música tocada ou entrar na onda da Calvin Klein e o p&b granulado.

1 Nota do Crítico 5 1

Conteúdo Adicional

Pix Vertentes do Cinema

Deixe uma resposta