Magnatas do Crime
Os Intocáveis
Por Laisa Lima
Guy Ritchie se flexibiliza a cada filme. Ascendendo seu estilo característico em “Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes” (1998) e decaindo o mesmo em “Rei Arthur: A Lenda da Espada” (2017), o diretor foi de promissor até considerado como corrompido pelo cinema de massa, o que é igualado, por alguns, a perda de uma autoria em seus filmes. Entretanto, uma vez familiarizado com o submundo criminoso, Ritchie dá sinal de que ainda pertence a essa raiz e, em “Magnatas do Crime” (2019), se volta para uma ilegalidade feita com “luvas brancas”, na qual sujar as mãos não é para qualquer um.
“Magnatas do Crime” (2019) acompanha, em formato de uma história contada por Fletcher (Hugh Grant) para Ray (Charlie Hunnam), a trama envolvendo o rico dono de um soberano tráfico de maconha no Reino Unido que está prestes a vender seus “negócios” para um bilionário americano. Levando em conta a temática inicial sobre um ilícito comércio na Inglaterra e outros países, o papel da referida planta feita de produto se torna pano de fundo para uma briga de “cachorro grande”. A influência pertencida a poderosos que estão incluídos no enredo, elevam a disputa a um nível acima de uma violência banal e a esmo, visto os calculados movimentos dos mandantes que procuram adquirir um controle e poderio sobre a situação ali instalada. Contudo, é difícil ter tais privilégios.
Brian de Palma trabalhou juntamente a Robert De Niro para a confecção de um ser acima da lei, acima do bem e do mal, e (figuradamente) acima de todos. Al Capone era a cabeça de um império distribuidor de bebidas alcóolicas na Chicago dos anos 30, e tornou-se uma figura mítica ao ser tido como “intocável” (um oportuno trocadilho), o que acontece igualmente com Mickey de Matthew McConaughey, o chefão da indústria vendedora de maconha. Mesmo em menor escala em relação a Capone, o protagonista apresenta-se como um indivíduo de ar superior e detentor de um respeito conquistado a base do temor, demonstrado até quando as demais pessoas ouvem seu nome. A construção da soberba que paira o personagem de McConaughey, se torna papável por conta da interpretação do ator, que nunca utiliza da agressividade como primeira opção e geralmente opta por metáforas (talvez tão diretas quanto um soco) escolhidas à dedo.
A brutalidade nas ações em si é concebida após discursos análogos, sarcásticos e até transparecendo uma falsa moralidade, palavra que só pode ser destinada a algum dos personagens posteriormente o final do longa-metragem. O roteiro, que envolve uma aparente “fábula” discorrida por Fletcher, prega peças ao adicionar a cada trecho do enredo, mais participantes possuidores de personalidades que convergem para um ideal: a vontade de vencer mediante esforços questionáveis. Torcer para alguém em “Magnatas do Crime” deve ser aliado ao carisma dos personagens, que tem no próprio Fletcher, uma peça atrativa de simpatia e de indagação, seja pela trama fantástica que está contanto, ou seja sobre seu papel na obra. Os acontecimentos se desenrolam a partir da visão desse mesmo indivíduo, implantando na mente do espectador a possibilidade daquilo ser ou não ser a realidade de fato, fazendo-se uma confusão competente devido as situações que se encaixam uma na outra, apesar de absurdas. Para a submersão completa naquilo que está sendo visto, a obra dispõe também de um alto teor cômico que alivia até sequências mais pesadas (mesmo sem estar nelas, algumas horas), artifício que é usado com todos ali.
Guy Ritchie, por sua vez, transpõe os anos 30, com um estilo aparentado em “Bonnie e Clyde” (1967), de Arthur Penn, por exemplo, para os figurinos e alguns cenários de “Os Magnatas do Crime”, como o bar que Mickey frequenta. Evocando o espírito da criminalidade e da máfia, o diretor aposta em um trabalho refinado e em um roteiro requintado de maneira metalinguística, guiando os ocorridos por meio de uma fotografia lúdica e sem grandes truques na montagem, mas arriscando-se em videoclipes no interior das cenas, empregando uma linguagem pop; na introdução divertida de um “filme dentro do filme”, visto a narração de Fletcher com sua própria versão dos fatos; e em câmeras junto aos personagens, como alguns exemplos. Apesar de todo estilo visual que beira o Richie de antigamente, os eventos misturam-se de uma forma a não ter mais uma motivação clara e plausível, aplicando-se terceiros personagens que mal fazem sentido ou importância para a trama, somente para sua conclusão.
Exibindo uma performance enfática de seus três protagonistas – Grant, McCounaughey e Hunnam – e um Guy Richie diferenciado de seus recentes trabalhos e equivalente aos seus antigos, “Magnatas do Crime” pode ser notado como um filme de mafiosos, mesmo que não se denomine assim. Diante de todos os vestígios que podem classificar a obra dessa maneira, como o império construído em volta de algo ilegal e seus derivados adversários, a habilidade com que é estabelecida essa mesma história matriz e suas diversas outras histórias, confunde-se em seu respectivo âmago, não sabendo mais qual seria ele. Apesar disso, todo design escolhido para apresentar o longa-metragem, seu roteiro perspicaz e seus afiados intérpretes, fazem de toda ação resultante, provocativa. Se uma pergunta se faz propícia agora é: será que Guy Richie entrará para a antológica galeria dos que fizeram o crime parecer algo legítimo?