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Love

As invasões latifundiárias do amor

Por Fabricio Duque

Festival de Veneza 2024

Love

Antes de escrever sobre o segundo capítulo da trilogia da universalidade, do realizador norueguês Dag Johan Haugerud, perguntei ao IA o que é o amor, eis que recebi a resposta: “um sentimento complexo e multifacetado; um conjunto de emoções e comportamentos”. Pois é, essa abstração genérica recebida estende-se aos campos da psicanálise, filosofia e até do imaginário popular, comprovando assim a impossibilidade de uma tradução definitiva e direta. Até Rita Lee na música “Amor e Sexo” ficou no campo da sugestão: “amor é sorte; sexo é escolha”. No filme “O Clube dos Corações Partidos”, uma personagem diz que amar é ser escolhido pelo outro e este olhar vira possibilidade. Já no clássico “Casablanca”, o amor é a retroalimentação da memória, personificada em um lugar, no caso Paris, a “cidade dos apaixonados” e dos cadeados nas pontes.

Aqui, em “Love” seu cineasta também não encontra uma conclusão, ainda que se esforce em nos conduzir por intimistas estudos de caso sobre relacionamentos afetivos. Parece fácil lidar com os sintomas (suas circunstâncias e seus escapismos) desse amor, mais as consequências são “balas perdidas”. Sim, o que nos motiva no amor que buscamos: o bom sexo ou o sonhar com o “modelo” perfeito? Amamos para nos mesmos ou para mostrar aos outros que não estamos sós? Pois é, Dag Johan Haugerud nos oferta em “Love” uma completa terapia de choque, que nos expõe aos “cacos”: migalhas que aceitamos. Por exemplo, se a personagem principal de “Cristiane F.” não tivesse se apaixonado instantaneamente pelo seu problemático objeto de desejo, ela provavelmente tivesse uma nova vida. Pensando assim, nós entendemos então as inclinações-quereres das personagens em “Love”.

Entre segredos, vertigens e esgotamentos dos níveis do ser, “Love” traz a ideia de que “quebrar o brinquedo também é brincar”. De que diferente do terceiro capítulo da trilogia, “Dreams”, nós não temos mais o frescor e a inocência intactas de antes. Nós já estamos “quebrados”. Preferimos então deixar de ser “patéticos” (amor) e experimentar a vida como “epiléticos” (sexo). Nessa busca-sonho por esse sinônimo de “eldorado perfeito da felicidade”, caminha-se pelas ruas vazias e escuras da cidade à procura de paixões, num que de parque de diversões, para assim atender um desejo imediato do instinto fisiológico. Esse processo, tanto faz se estiver flertando em um meio de transporte e/ou em um aplicativo de relacionamentos, deixa seu participante exausto e sem energia. “Love” apresenta-se exatamente dessa forma, como a estrutura de um cinema direto, cotidiano, com cara de documental ao intercalar personagens, suas vidas, suas frustrações e suas “conquistas” amorosas.

“Love” também lida com os “fetiches” sociais do amor, especialmente o da crença de cuidarmos de quem queremos. Da casualidade (e liquidez) de transgredir espaços públicos. Amar é revolucionário. Uma contracultura, em que cada um busca suas próprias formas para fazer acontecer. O que vemos? Animais irracionais, no cio instintivo, desintegrados da consciência, com o único propósito de prazer. Mas essa volúpia não está necessariamente no resultado da transa propriamente dito (como abordado no primeiro capítulo desta trilogia, “Sex”) e sim de prolongar essa sensação motivadora, como se fosse um dependente químico por mais uma dose da droga. São “zumbis” não seletivos (mais no mundo gay, pelo filme). A dinâmica é bem simples: um olha para outro com desejo e espera ser retribuído. Então, podemos dizer que o verdadeiro amor é uma paixão explosiva de sexo? São vampiros que se alimentam desse desejo (e do odor alheio – como um feromônio) como se fosse um sangue pra sobreviver? E no meio disso tudo (num que de portal a um universo paralelo), “Love” quebra a narrativa desse cotidiano e insere alguém tocando um saxofone.

Assim como seus filmes anteriores, “Love” quer a desconstrução da forma, do fluído, da identidade e do gênero. Quer nos apresentar a utopia da liberdade sem pudor, sem moralismo, sem culpa e sem a necessidade de “prestar conta”, socialmente falando. Só que essas personagens precisam ir além. Querem “viajar” níveis ao complexo mundo cheio de possibilidades do que é o amor. Este longa-metragem é um filme que busca a “enganação” do amor nas projeções de quem ama. Como manter essa chama acesa? Como continuar casado se o momento do agora “facilitou” a vida de todos com o divórcio? Isso é amor? Ou amor está na essência, algo mais “divino, pensado, mais cristão, como um teorema, uma novela, um latifúndio, uma bossa nova, e não um carnaval” (já cantava Rita Lee)”. Sim, “Love” também não traz respostas, apenas nos enche mais de perguntas. Explicar o que é o amor talvez se compare a se questionar de onde viemos e para onde vamos. Não há explicação. Mas a narrativa naturalista deste filme, adulta, livre, espirituosa, empática e humana de traduzir os meandros comportamentais de nós indivíduos, nos conduz com tanta delicadeza e firmeza que encontramos nesse estudo uma obra-prima, especialmente por suspender o tempo com a realidade do instante e entender que nós somos errantes e almas em ebulição evolutiva.

5 Nota do Crítico 5 1

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