Lola e o Mar
Uma viagem de retorno
Por Vitor Velloso
A coprodução Bélgica-França “Lola e o Mar” chega aos cinemas brasileiros com um grande atraso que apenas demonstra a dificuldade na distribuição de certos projetos com a pandemia.
O longa de Laurent Micheli é um filme-de-estrada que tem como personagem central Lola (Mya Bollaers) e a relação conflituosa com seu pai Philippe (Benoît Magimel). Aqui, o drama da redesignação aparece como uma questão central da narrativa, onde a dificuldade financeira da operação é um empecilho que se soma a outros problemas dramáticos, desde a maneira de lidar com o luto, pela perda da mãe, à viagem forçada com o pai. O caráter subjetivo dessa relação aparece como um reflexo da sociedade, onde a intolerância cria feridas eternas dando espaço para as inconstâncias do (des)afeto. Assim, “Lola e o Mar” poderia ser definido como um estudo de personagem, ou de relação, a partir do conflito em si. Contudo, para garantir essa construção a câmera está, em sua maioria, próxima do rosto de Lola, criando uma maior proximidade, permitindo que o espectador decifre suas emoções e perceba suas dores.
A trilha sonora é outro elemento que intensifica nossa compreensão dos dramas vividos no filme, entrando em momentos específicos para criar conotações particularmente expositivas das situações. Porém, existe um certo exagero nas tentativas de utilizar símbolos, expondo uma necessidade de se aproximar do clichê em algumas ocasiões. “What ‘s up” no máximo e o corpo para fora do carro pegando vento é uma imagem que já alcançou uma certa saturação no cinema comercial, ainda que possua seu valor de identificação. Vale a nota da inclusão de “Antony and the Johnsons” na trilha. O curioso é que “Lola e o Mar” quer ser reconhecido como algo menos pragmático e mais sensível, o que fica claro na escolha da razão de aspecto e como a fotografia articula os contrastes em diversas cenas, como em uma das paradas ao longo da viagem, onde as luzes azuis e vermelhas marcam o “neon” no cômodo e o contraste nos rostos. A fim de aumentar as distâncias entre o passado e o presente, aproximando uma certa resolução dramática, uma série de flashbacks são apresentados, como sonhos e memórias, mas sem grande impacto na narrativa, explicando parte do contexto que vemos na tela.
Nesse mesmo cenário de beira de estrada, onde alguns personagens são relevantes para bagunçar as ideias do pai, uma cena chama atenção pelo caráter novelesco de seu desenvolvimento e desfecho. A briga no bar possui uma estrutura problemática, uma montagem desconcertada e algumas atuações pouco convincentes, é uma clara tentativa de elevar as tensões dessa relação, mas que acaba prejudicando a experiência por uma exposição de fatores relativamente desnecessários para o todo. Nessa meada de tentar ser um projeto artisticamente aceito pelo nicho cinematográfico, que ainda consiga se aproximar de um público maior, a resolução não poderia ter uma exposição maior. O retorno ao lar, onde parte das memórias que víamos anteriormente ganha contorno e forma, é o desfecho que o apaziguamento deveria ter para que os caminhos pudessem receber a paz necessária.
Nesse sentido, “Lola e o Mar” parece recuar diante de algumas frentes de discussão que se abrem ao longo da projeção. O longa é frágil e inconstante formalmente, mas sugere uma série de debates importantes e trabalha com uma temática que parece estar na contramão de diversas ascensões extremistas pelo mundo, que reflete o que já estava na estrutura da sociedade há muito tempo. Sem saber se pretende se localizar na padronização do “art.” ou do comercial, o longa acaba indo para lugares que não acrescentam muito, ainda que possa fisgar alguns espectadores nesse processo, a cena do sangue/pétalas é um bom exemplo disso.