Listen
Retrato de instituições
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de SP 2021
“Listen” é um dos filmes mais honestos na atual edição da Mostra de SP, retratando os problemas enfrentados por uma família de portugueses que reside nos arredores de Londres. O filme de Ana Rocha de Sousa, vencedor do prêmio de melhor longa-metragem de estreia e do Prêmio Especial do Júri da seção Horizontes no Festival de Veneza, é uma síntese de como o Estado britânico se torna uma constante manutenção de classes e opressões. Enquanto drama, não se vê na necessidade de apelar rasteiramente suas questões particulares internas, apenas trabalha com as individualidades de seus personagens diante de um cenário onde a família vai sendo afetada pelas decisões arbitrárias das figuras públicas e expondo que a lei realiza julgamentos morais constantes a partir de suas padronizações e preconceitos.
Existem alguns momentos dolorosos em “Listen”, mais do que poderíamos expor aqui, mas um em particular chama atenção pela paciência que sua decupagem cria a expectativa ao rompimento. Quando a longa espera para rever os filhos finalmente chega ao fim, Bela (Lúcia Moniz) e Jota (Ruben Garcia) são privados da comunicação, por conta das limitações do serviço social em não compreenderem o que está sendo dito através da linguagem de sinais. Fica claro o tempo todo que a perseguição não é pelas condições das crianças, muito menos para ajudá-las, trata-se de uma investida explícita contra os imigrantes, aliás é mais fácil dissolver uma família que oferecer condições econômicas para a mesma. Mas para além da discussão temática, a proposta narrativa de Ana Rocha de Sousa é o que consegue fazer as coisas funcionarem aqui. A composição de cada quadro procura isolar seus personagens dessa realidade londrina, fazendo com que sua presença esteja sempre na dependência da expansão desse retrato. Com exceção da própria residência, a encenação reforça a dependência de um mediador, de um agente externo para que as coisas possam caminhar, seja o agente presente durante as reuniões familiares, seja a moça que cobra o atraso de Bela todas as vezes.
A montagem encontra um bom ritmo para trabalhar, já que não cede à facilidade do drama comercial e não pende à digressões que apenas iriam criar paralelismo na narrativa. O que ocorre é o oposto, “Listen” é direto, sem perder a mão nessas recorrências convencionais do cinema que provoca o choro ou algum sentimento exacerbado sem o desenvolvimento de seus personagens como eixo central do projeto. Quanto mais as coisas progredimos na projeção, menos turva essas relações ficam e qualquer julgamento moral por parte do espectador se torna uma mera concepção particular. Essa falta de desvios na linearidade faz com que as coisas não possuam manipulações extremas e a representação da falibilidade do serviço social britânico com a precariedade da família protagonista seja enquadrada com rigor. A abordagem claustrofóbica dos espaços e a câmera na mão durante os momentos de tensão colados aos personagens podem intensificar as brigas e conflitos, mas a grande quantidade de muros e frestas que interrompem o quadro chamam atenção pela maneira com que separam as distintas realidades do quadro.
Por mais que exista uma certa inclinação ao expositivo em diversas situações, o contraste proposto em “Listen” funciona justamente por reconhecer em seus universos uma drástica separação construída por uma política segregacionista e punitiva. Entre a falta de ética, as constantes mentiras, o moralismo e a perda da dignidade, o curto filme consegue ser preciso em seus momentos, a ponto de conseguir provocar uma exaustão em pouco tempo de projeção. Não pelo tédio, mas pelo desespero dos pais ao ver o Estado sucumbir com a esperança de maneira exponencial. Alguns momentos que procuram uma poesia nas imagens que evocam a liberdade podem não funcionar, mas não retiram o brilho das atuações de Ruben Garcia e Lúcia Moniz nessa refrega em favor da família, em tom menos tradicionalista e mais digno da compaixão. É honesto ao trabalhar essa representação com a seriedade necessária, ainda que procure aproximações maiores com um lado lúdico que nunca é apresentado concretamente.