Leonie, atriz e espiã
Os recortes de uma crença
Por Vitor Velloso
Durante o Festival É Tudo Verdade 2021
“Leonie, atriz e espiã” de Annette Apon é um documentário bastante particular em exibição na presente edição do É Tudo Verdade. O filme persegue sua protagonista em aventuras costuradas entre o “real” e o fictício”, articulando uma tentativa de representação temporal para expôr não apenas o contexto em suas imagens, mas de articular uma referência direta com sua protagonista, que viveu de encenações.
Para isso, Apon estrutura sua forma em filmes da época e ajuda a construir essa cronologia, contudo, o espectador facilmente perde os encaminhamentos dessa narrativa enquanto os depoimentos são inseridos de maneira alternada com esse material de arquivo. O processo cansativo é pouco objetivo, acaba se perdendo na tentativa de remontar um passado que não-visível e se encontra na memória transmitida pela tradição oral. Mas no esforço de tentar dinamizar, investe massivamente nessa representação terceirizada. Apesar de uma louvável tentativa formal, o barato expõe uma fragilidade rítmica que compromete a experiência e o interesse de quem estava disposto a aventurar-se nessa história pouco provável.
Se “Leonie, atriz e espiã” consegue captar a atenção do espectador em seus primeiros minutos, vai perdendo exponencialmente os disposto a permanecer diante da exibição. O exercício que mescla a realidade e a ficção entre esses diferentes graus de representação se concretiza como um mero apoio aos depoimentos que vão se somando e mapeando uma perspectiva psicológica da protagonista para compreendermos atitudes políticas que tomou ao longo da vida. Mas o constante deslocamento do eixo primordial do filme, faz com que a proposta fique confusa, desconexa e pouco interessante durante grande parte da projeção. A suspensão dessa materialidade para assumir uma contextualização que atravessa a encenação como proposição estética, vai se confundindo no exercício formal. O principal entrevistado descreve eventos e sua relação, mas parece estar em outra chave da obra. A falta de posicionamento do filme diante das imensas lacunas que permite, é a síntese de uma dialética interna que jamais é resolvida. A história de Leonie e suas atitudes diante da arte e política, não encontram assimilações que consigam fortalecer o progresso do tempo.
Tudo está suspenso da realidade e da ficção, uma crença híbrida que busca um guia nas inúmeras encenações. A própria construção com o principal entrevistado soa estar nesse muro. As escolhas soam interessantes, na teoria, mas essa falta de pulso em promover um debate ou uma reflexão em torno da infinitude de exposições, faz com que a monotonia se transforme em passividade e tédio. São excessos que custam caro. “Leonie, atriz e espiã” soa muito promissor, mas desperdiça boas chances de trabalhar melhor a queda dos padrões limítrofes entre o documentário e a ficção, encerrando de vez qualquer tipo de reconhecimento. E por mais que busque fazer isso em momentos diversos, parece estar sempre forçando para que o caminho de seu longa se encontre com essa confusão generalizada, sem permitir que isso ocorra pela própria falibilidade das assimilações que o espectador está realizando.
Atirando para todos os lados, o projeto se encontra perdido em suas investidas de linguagem e pouco criativo nas resoluções que tenta implementar. A falta de consciência ao trabalhar com os fatores limitantes que categorizam dois campos que possuem mais em comum que normalmente comentamos, credita ao jogo de arquivo, essa suposição da dialética a partir da mediação do senhor entrevistado. Mas “Leonie, atriz e espiã” parece funcionar apenas em vácuos gerados por suas indecisões. A operação soa incompleta e a vontade de permanecer diante da tela vai se reduzindo.
Se Hirszman, Coutinho e outros, contribuíram para o assimilação do documentário e da ficção, Helena Solberg esgarçou modelos e Arlindo Machado tenta uma discussão de nomenclaturas e categorizações (ou melhor, acabar com elas), Apon não consegue acrescentar muito no debate. Mas sem dúvida possui uma ideia embrionária, no mínimo, interessante, que vai dissolvendo possibilidades e cedendo a supostas representações expositivas.