Klaus
Concentração e Exagero
Por Jorge Cruz
A história por trás de pré-produção de “Klaus” é louvável, digna de reconhecimento ao seu criador Sergio Pablos. Imaginando criar uma obra parecida com os grandes clássicos da Disney (o personagem-título dublado por J.K. Simmons parece até o Rei Tritão de “A Pequena Sereia“), o espanhol encontrou dificuldades para recrutar apoiadores para seu ousado projeto. Animação feita manualmente, mesmo com a inserção de efeitos computadorizados, é vista há muito tempo com um produto envelhecido e pouco atraente. Ainda bem que no caminho havia uma Netflix.
Toda a estrutura narrativa, bem como a estética é, de fato, inspirada na celebrada filmografia do estúdio de Mickey Mouse, notadamente os longas-metragens dos anos 1980 e 1990. Tanto nos aspectos visuais, quanto na inserção da trilha e no equilíbrio entre aventura e comédia. Uma obra que parecia ter potencial para atrair bem mais os adultos nostálgicos do que as crianças. Todavia, a forma como é conduzida não segue esse caminho, aproximando o filme do exclusivamente infantil.
“Klaus” se inicia bem mais complexo do que sua trajetória lhe incute. A trama tem início quando Jesper (Jason Schwartzman), um bon vivant que sempre viveu às custas do pai, recebe um ultimato do seu velho: deverá se mudar para o vilarejo de Smeerensburg, o mais perto do fim de mundo que poderia conhecer. Chegando lá ele deverá atuar como carteiro, com a meta de fazer circular três mil correspondências no período de um ano, quando voltará a ter vida mansa. Dizemos que o prólogo da obra é complexo uma vez que trata dessa ausência de perspectiva acerca de uma autonomia da geração que chegou à meia-idade nos últimos anos; bem como das dificuldades enfrentadas por trabalhadores que veem suas funções se tornarem inúteis, eis que à beira da extinção.
O grande desafio do protagonista é conseguir quem remeta cartas a alguém hoje em dia. Além disso, ele deverá superar a autossuficiência com a qual se acha merecedor de uma recepção ao chegar ao seu novo local de trabalho. Como muitos filhos de família rica, Jesper acha que o mundo gira em torno do próprio umbigo e nenhuma missão a ser cumprida é difícil demais à primeira vista. “Klaus” parece ganhar ainda mais força quando seu protagonista entende a irrelevância de seu ofício e a inutilidade de sua existência perante aquela comunidade. Entretanto, o que parecia ser um grande afluente para um rio de metáforas e mensagens, vai se perdendo quando a história ganha corpo.
O grande erro da trama é centralizar em Jesper quase todas as ações. Toda a referência estética dos clássicos da Disney não se refletem em uma das táticas mais manjadas das animações da famosa corporação. Isto porque a personagem dublada por Schwartzman além de se propor a ser a mola propulsora da história também funciona de alívio cômico. Ou seja, a comédia não é o que alivia e sim o que sufoca “Klaus”. Uma ação pautada no exagero, com sequências tão caricatas que cansam muitas das vezes. Jesper desfila atitudes bobagentas e não segue a mesma trajetória evolutiva das personagens periféricas, todas mais interessantes do que ele. Todavia, como na temporada de premiação dos Estados Unidos a lógica não é um item obrigatório, é possível que a produção tenha chances de ser indicado ao Oscar. Basta lembrar que o sofrível “Link Perdido“ derrotou boas animações de 2019 no Globo de Ouro 2020.
Toda a curiosidade provocada pelo exercício de pensamento de uma sociedade que abdicou dos estudos e da diversão das crianças perde espaço para gags sem graças do carteiro que, após entender que sua função é a de reunir pessoas, não perde espaço para o restante do elenco brihar. Além disso, o longa-metragem ainda inventa um novo antagonismo depois da metade da projeção (eis que o pai de Jesper gera conflito apenas na parte introdutória da trama). Uma vilania tão forçada e deslocada que só gerará consequências práticas quase ao final do filme.
A qualidade técnica de “Klaus” e a tentativa de mensagem anti-capitalista selvagem dividem espaço com a sensação de uma obra mal constituída. Personagens secundários pouco explorados e má divisão de funções tornam o filme uma obra problemática desde o início do segundo ato. Aposta quase todas as suas fichas na comédia rasgada e na aventura fantasiosa para entregar uma parte final quase cruel com quem achava que apenas se divertiria com um filme natalino. Ou seja, em nenhum momento encontra seu tom ou até mesmo sua personalidade.