Direção: Matthew Vaughn
Roteiro: Matthew Vaughn e Jane Goldman, baseado na HQ de Mark Millar e John S. Romita Jr.
Elenco: Aaron Johnson, Christopher Mintz-Plasse, Mark Strong, Chloe Grace Moretz, Nicolas Cage
Diretor de Fotografia: Ben Davis, BSC
Música: John Murphy, Henry Jackman, Marius de Vries, Ilan Eshkeri
Figurino: Sammy Sheldon
Mixagem de Som: Simon Hayes
Casting: Lucinda Syson e Sarah Halley Finn
Produtores: Matthew Vaughn, Brad Pitt, Kris Thykier, Adam Bohling, Tarquin Pack, David Reid
Distribuição: Paramount Pictures Brasil
Duração: 117 minutos
País: Estados Unidos
Ano: 2010
COTAÇÃO: EXCELENTE
A opinião
“Em algum momento da vida, queremos ser super-heróis”, a frase está inclusa na narração inicial de mais uma adaptação de Histórias em Quadrinhos. Os adolescentes de hoje perderam suas referências reais. Os personagens, que voam, que têm poderes, se comportam como uma fantasia surreal, a qual não é mais permitido sonhar. Busca-se o realismo pleno, sem emoções. Com isso, cada um precisa salvar-se sozinho. Os pais, devido a uma criação politicamente correta, deixam os filhos aprenderem com a própria vida. Perde-se o senso de certo e errado, não existem mais parâmetros para dividir o liminar do equilíbrio. A realidade bate, machuca, chuta e todos devem estar preparados, inclusive meninas de onze anos de idade.
As referências mudaram. O não fazer, o não viver fisicamente ganhou espaço. “Myspace”, “orkut”, “facebook”, compras pela internet preenchem o espaço de um quarto. O google fornece toda informação mastigada, com um único clique. Não se lê mais, virou retrô, cult, nostálgico. Procuram-se as fotos, mas não mais as palavras. O mundo evolui para a correria fútil de 140 caracteres “Twitter”. Porém os mesmos problemas adolescentes acontecem. Ocorrem da mesma forma, com uma tecnologia bem mais avançada. A solidão tentando resolver os problemas.
Esses pré-adultos imploram para que possam ser salvos deles mesmos. O objetivo do diretor deste longa é apresentar soluções fantasiosas, desbocadas, diretas, debochadas, solitárias, caricatas nas figuras de seres humanos comuns que resolvem salvar o mundo combatendo o crime, com ou sem ética, respeitando ou não os valores, humanizando o próprio ser, com diálogos politicamente incorretos e extremamente necessários.
Dave (Aaron Johnson) é um jovem do estilo “loser” (geek) que decide se reinventar, costurar uma fantasia e se tornar um super-herói no mundo real. Kick-Ass, codinome usado pelo inocente garoto, parece fadado ao fracasso por não ter o tipo físico dos heróis e nem as habilidades especiais. Mas ele vê sua vida mudar quando uma imagem sua salvando uma pessoa em perigo cai na internet.
Com a fama, novos personagens se juntam a ele, mas as coisas mudam quando ele encara vilões reais com armas de verdade. No entanto, ele não é o único super-herói. Há a destemida e altamente treinada dupla de pai e filha, Big Daddy (Nicolas Cage, de “Vício Frenético”) e Hit Girl (Chloe Moretz, de “500 dias com Ela”). Aos poucos, a dupla abala o império de crimes do mafioso local Frank D-Amico (Mark Strong, de “A jovem Rainha Vitória”), que vai levar Kick-Ass a provar se está realmente pronto para ser um super-herói.
O roteiro manipula o entendimento do espectador, fazendo com que siga por um caminho completamente diferente. E faz bem. Absorve-se a despretensão. Mistura elementos violentos de filmes como “Old boy”, a inferência fantasiosa explícita de “X-Men”e de “Quarteto fantástico”, retira o drama e os poderes do seriado “Heroes”. Há inovação. Brinca-se com a trama com agilidade de cameras, enquadramentos, aprofundamento dos personagens. Tudo sem querer ser. O diretor, que já tem experiência neste gênero, por ter sido produtor de “Snatch – Porcos e Diamantes” ao lado de Guy Ritchie, deixa acontecer com honestidade.
A história repete-se. Os filhos têm uma visão de que seus pais (o pai principalmente) são super heróis. Então, a tendência é que a criança siga o que o pai faz. Mas quando a profissão não é “aceitável” pela sociedade, mudamos as nossas opiniões. Mafiosos e policiais que desejam vingar a esposa. Os problemas mudam de figura. “Minha nova ocupação me deixou inspirado”, diz-se quando tiros em uma criança são disparadas, e ela espera por isso. “Posso tomar um milk shake?”, ela diz, com sadismo natural, sem culpas.
É um faroeste pop do novo tempo. Só que agora há microondas gigante para explodir desafetos. “Nesta idade, o medo não existe. Acha que pode mudar as coisas e o mundo?”, questiona-se. Há humor negro nas reviravoltas e ironia na forma de apresentar a história. Música clássica para mafiosos, “Crazy” do Gnarls Barkley, a trilha do seriado Banana Split, o zoom dos faroestes de Sergio Leone, o assobio da trilha sonora de Por um Punhado de Dólares, de Ennio Morricone.
As referências não acabam. Brigas por celular e “Youtube”, transmitidas pela televisão. “Wolverine”. O roteiro expõe a ingenuidade de seus personagens adolescentes. Em certos momentos, a coragem é maior. Transforma-se em uma celebridade com roupa de 99 dólares. “Até as partes boas eram surreais”.
Conta-se flashback em histórias em quadrinhos desenhadas por um personagem metódico, chamado Super Pai. “Você fez lavagem cerebral na sua filha?”, pergunta-se e ouve-se a resposta “Transformei isso em um jogo”. Então rebate-se “Assassinato em massa?” e complementa-se “Você deve uma infância a ela”.
O protagonista é desastrado, sem conhecimento do que faz, apenas boas intenções. “Só combato o crime das 23 às 2h da manhã e nos finais de semana, tenho que voltar cedo”, ele diz. “Um beckezinho (maconha) me ajuda quando estou na patrulha. É estressante.”, outro super héroi criado diz. Há o casamento perfeito entre música certa, ruídos e imagens.
Com uma exacerbada violência, o filme foi rotulado para maiores de 18 anos. “Estou apaixonado por ela”, diz um fã da violenta Hit Girl (Chloë Moretz, que xinga e mata sem piedade). “Inicie a vingança”, sabe-se que mais sangue acontecerá. Ela terminará o que o pai começou. “Minha mãe morreu por nada, não vou deixar meu pai também”. “Sem poder, não há responsabilidade”, diz-se. O Prodigy intensifica o ritmo apresentado. “Eu nunca brinco”, ela diz com duplo sentido.
O final fantasioso é necessário e gera uma provável sequência. Vale muito a pena ser visto. É excelente como os elementos são trabalhados. Mas é um filme de ação, de gênero comercial. Só que quebra a normalidade e o comum e insere a despretensão, como já falei antes. Recomendo.
Matthew Vaughn (Londres, 7 de março de 1971) é um produtor e diretor de filmes britânico. É casado com a modelo e atriz alemã Claudia Schiffer. Dirigiu “Nem Tudo é o que parece” (Layer Cake, 2004) e “Stardust” em 2007. Prepara para 2011 “X-Men Origens: Magneto”.