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Jurado No. 2

Imperativo Categórico

Por João Lanari Bo

Festival do American Film Institute 2024

Jurado No. 2

Clint Eastwood, no alto dos seus 94 anos, segue dirigindo filmes: “Jurado No. 2”, finalizado em 2024, traz o ator/diretor norte-americano de volta para uma praia mais conhecida, em que ele se sente mais confortável – histórias de classe média às voltas com dilemas morais, mais ou menos carregadas de melodrama e, sobretudo, eficientes. Seu longa anterior, “Cry Macho: O Caminho para Redenção”, de 2021, ficou no meio do caminho, um resultado mediano – uma aventura fantasiosa que não funcionou a contento.

Desta feita, Clint resolveu não arriscar – ou melhor, resolveu trabalhar em cima de um drama construído em bases sólidas, dentro desse universo sobre o qual estamos saturados de informação, mas que sempre surpreende – America middle class. Clint, como se sabe, é membro do Partido Republicano desde 1951, foi prefeito de Carmel-by-the-Sea, na Califórnia, entre 1986 até 1988. Em 2016, apoiou Trump contra Hillary Clinton – segundo disse à época, Trump estava no caminho certo porque secretamente todo mundo está cansado do politicamente correto. Na eleição de 2024, não se manifestou.

Tirar ilações políticas dessa omissão pode ser prematuro, mas é sintomático que “Jurado No. 2” tenha como núcleo dramático a crise de consciência experimentada por Justin Kemp (Nicholas Hoult), um jornalista local em Savannah, Georgia – alcóolatra redimido, ele sai de um bar em uma noite escura e chuvosa, e atropela algo no caminho. Um cervo, pensou: um ano depois, convocado para ser júri do julgamento de um assassinato, descobre que a vítima era Kendal, jovem vista pouco antes brigando com o namorado, James (Gabriel Basso) …no mesmo bar em que esteve naquele dia. O suspeito, rapidamente considerado culpado pela polícia e pela promotora carreirista (Toni Collete), é, obviamente, o namorado, ex-integrante de gangue com passado violento.

Estamos às voltas com um sistema imperfeito – que se apressa em sacramentar condenações, prisão perpétua sem direito a condicional – que fracassa exatamente onde deveria extrair sua força, a consciência moral dos membros da sociedade. Justin, como é frequente, não tem o menor interesse em ser jurado: sua esposa (Zoey Deutch) está no terceiro trimestre de uma gravidez de alto risco, ele se segura num emprego de tempo integral com o fantasma da perda da sobriedade recém-descoberta à espreita. Tudo conflui para o curto-circuito moral que se instala em seu cérebro com a constatação de que ele, e não James, é o culpado.

O dedo de Clint se faz notar, com a devida sutileza, nos closes do rosto de Justin, revelando seu tormento interior através de olhos evasivos e olhares nervosos — expressões que ele procura ocultar, até onde é possível. Seu dilema, em última análise, é um dilema kantiano, na ordem do imperativo categórico. Para o filósofo alemão Immanuel Kant, talvez em sua mais conhecida concepção, nós, seres com capacidade de sentir sensações e sentimentos de forma consciente, trazemos introjetado um princípio moral que pode ser resumido na assertiva: Aja apenas de acordo com aquela máxima pela qual você pode, ao mesmo tempo, querer que ela se torne uma lei universal.

Ou seja, imperativo categórico é o dever de toda pessoa agir conforme princípios dos quais considera que seriam benéficos caso fossem seguidos por todos os seres humanos. A eficiência de “Jurado No. 2”, calibrada por edição e roteiro adequados, está no confronto entre a lei interior de Justin – balizada pelo imperativo categórico, agora culpada e desorientada – e a Lei exterior, aquela que regula e torna possível a convivência ordenada na sociedade. Se a lei interior está em crise, a Lei exterior, para piorar, embarca em uma disfuncionalidade socialmente aceita (e desejada), condenando a priori pessoas inocentes.

Mas estamos, afinal, em uma realização de Clint Eastwood. Em seus filmes mais tardios, ele aparece como velho rabugento e objeto de ódio, que termina, de um jeito ou de outro, se transformando. É uma habilidade gerar esse tipo de empatia com o público, que pode até revelar preconceitos embutidos, com as consequências previsíveis. No filme em tela, Clint não está presente: é a condução da narrativa, o modo de descrever as transformações dos personagens que levam à exposição dos dilemas, pessoais e sociais.

Trata-se, enfim, de um diretor que sabe o que quer, nos melhores e piores trabalhos. No sistema Hollywood, não é fácil. Seria “Jurado No. 2” sua última produção? Acrescentando um dado a mais na fogueira de vaidades, Eastwood deixou vazar foto sua nas redes, no último dia 15 de outubro, revisando novos roteiros. Nada menos do que quatro selos confirmam a autenticidade da foto, diz a imprensa especializada.

4 Nota do Crítico 5 1

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