Jornada da vida
Revisionismo de quinta
Por Vitor Velloso
O pedido de desculpas de um francês à colonização do Senegal? Bom, é uma tentativa, mas acaba soando uma reconciliação forçada, que impõe aos africanos aceitar essa desculpa, através de um arco dramático bastante previsível.
Dirigido por Philippe Godeau, “Jornada da Vida” utiliza-se da parábola clássica para gerar a mea culpa da colonização, utilizando recursos convencionais no roteiro a fim de conceber uma trajetória dramática que concilie os dilemas reais do retorno às origens e de um confronto, e reencontro, cultural que irá moldar a vida de seus personagens.
Confiando o carisma de Omar Sy à tarefa, o filme vai flexionar às questões pessoais com as existências de duas realidades distintas em território comum. Apoiando-se na relação funcional de seus protagonistas, fica fácil construir empatia pela trama que se projeta, porém a previsibilidade torna o exercício semi antropológico (direto com o espectador alheio às possibilidades da narrativa) formulaico demais para uma reflexão além da obviedade. As intenções tornam-se tão claras com o progresso que a sensação de termos visto tal proposta em tela, somada ao discurso brevemente fálico europeu, burocratiza as inclinadas catarses que estão no texto.
Ainda que haja, plasticamente, momentos de beleza concreta, exemplo a oração que atrasa Seydou (Omar). Os signos que são propostos nestas cenas são de lugares comuns que nega ao roteiro construções que fogem a superfície. O diretor está sempre preocupado com embates mais simples em sua forma, apelando à soluções fáceis, por questões mercadológicas, que gera essa repetição canhestra de estrutura e discussão.
Ora, o debate lançado pela temática é de uma complexidade e de uma envergadura monumental, acanhar-se diante da violência que há na tela (de teor cultural e social) é tentar conciliar o impensável. Revisionismo é palanque para cegueira dialética. Questões rígidas necessitam rigor não pragmatismo de quinta categoria.
A mise-en-scène de “Jornada da Vida” permite se fixar em um jogo bastante simplório, desenhando com certa clareza as necessidades mercadológicas. Fórmulas e engessamento limitam todas as possibilidades concretas que está presente no roteiro e nas saídas mais dialéticas que o diretor poderia tomar. A fotografia segue o padrão, sendo prática em compensar a imersão no drama comercial.
Quanto mais se reforça o produto menos força o projeto tem, não à toa ele é adjetivado facilmente por todos que saem da sala de projeção, por ser de fácil digestão através das normatividades da indústria.
Yao (Lionel Louis Basse) busca o possível em sua relação com Seydou para trazer o público para o drama do longa, mas a direção apagada e a trilha sonora que força constantemente emoções baratas acabam tirando a força da interpretação. Os gatilhos fáceis que o filme insiste em atingir frequentemente vão esfarelando todo o discurso de reconciliação imperialista e expõe com veemência as conjunturas aqui apoiadas. Logo, não trata-se de uma ofensa direta à cultura ou a imagem por si só, como “A Menina e o Leão“, mas sim de intenções turvas em uma diretriz de possibilidades e pragmatismo otimista.
Retornando ao revisionismo comentado acima, não me refiro à uma tentativa de apaziguar a História que liga duas culturas distintas e uma flexibilização da narrativa ao estilo europeu, mas sim de uma estrutura que permite visibilidades distintas à trajetória programática do roteiro. O exercício demonstra uma fragilidade imensa no filme, em especial por tratar de um olhar de retorno à questões primárias de uma genealogia que foi abusada ao longo de séculos. Com uma postura reconciliadora à estética propõe novamente um revisionismo que não eleva autocrítica do fetiche pictórico que se projeta no drama no ecrã.
As inclinações sociais que a trama aborda tornam-se secundária ao centralizar na relação binária dos protagonistas, em especial Seydou, assim a verve presente na “aventura” (encarada assim pelos realizadores) se perde em rotação de repetições infinitas que não chega a lugar algum além da obviedade do comum e ordinário.
No fim, “Jornada da Vida” é mais um produto mercadológico de aromas europeus que busca uma aproximação com a mea culpa católica e decide fragmentar o discurso social em um drama pouco envolvente e mais inocente do que se propõe.