Carrefour, o próximo é você…
Por Vitor Velloso
John Wick é um fenômeno interessante de se analisar. O gênero de ação sempre sofreu alguns preconceitos, por parte da crítica, onde uma parcela enxerga que trata-se de um subgênero (aqui no tom pejorativo) fútil que simplesmente se preocupa com questões de entretenimento barato. E também por uma parcela do público que acredita tratar-se de uma síntese de violência desnecessária e excesso de uma virilidade tóxica. É mais difícil refutar a segunda questão que a primeira, pois em essência, normalmente, a indústria não foge desta padronização. Além disso, a questão da violência nestes projetos possui um caráter fragmentado de leitura, em alguns ela parte de uma questão política e/ou social, conceitual, até mesmo alegórica, em outros, ela é simplesmente…violência. O curioso disso é analisar a construção que vimos desde John Woo, passando pela trilogia Bourne, Missão Impossível… até John Wick. O assunto já foi tratado na crítica de “Um dia para viver”, portanto não será aprofundado aqui, mas sem dúvida o revival do estilo oitentista que a franquia protagonizada por Keanu Reeves está promovendo é algo novo no cinema.
A última afirmação é um tanto quanto dúbia, possivelmente errônea, mas esse é o sentimento que Chad Stahelski consegue transmitir com seu novo longa. Nada ali é novo de fato, pelo contrário, é uma massiva repetição de clichês e estilos já consagrados que são alocados em um único filme, com um verniz (bastante convincente) de uma coreografia que concretiza a velocidade dos combates de Bourne, em uma dança à la John Woo, mas com a brutalidade de Bronson. E a ideia por si só é intrigante, pois a narrativa da trilogia se inicia com a morte de um cachorro. Não há uma trama que devemos seguir com atenção aos detalhes e às complexidades, apenas um mar de cenas de ação que irão nos guiar durante a projeção. A fim de criar algumas camadas em torno de seu universo, uma corporação serve de fio condutor às ações da franquia, vemos parte da ideia por trás de toda a institucionalização das mortes, seu início, até mesmo parte da origem do protagonista.
O mais gratificante de tudo isso é que “John Wick 3” no fim das contas, não tá preocupado com absolutamente nada, ele utiliza diversas desculpas narrativas para que possamos ver cenas do assassino mais habilidoso do mundo derrotando seus inimigos, algo próximo ao que era “Mad Max: Estrada da Fúria”. Desta maneira os primeiro trinta minutos são de um dinamismo alucinante, não conseguimos respirar pelas sequências de ação desenfreadas.
Essa relação da questão física em si, com a misancene, é o maior trunfo do realizador, pois, a estrutura da coreografia, aliada à montagem e a encenação que acentua uma certa fricção entre uma nostalgia, que reconhece alguns artifícios tolos, e uma contemporaneidade que necessita o tempo inteiro reafirmar a adrenalina como recurso rítmico, e estilístico. Desta maneira as composições do longa variam entre uma decupagem mais clássica, onde necessita fixar aqueles personagens em um ambiente completamente hostil, porém com uma montagem frenética que concebe uma apreciação um tanto diferente daquilo que estamos acostumados. Essa duplicidade na abordagem, não torna-se um problema de caracterização geral, pois o projeto tem a plena consciência de suas cafonices, como alguns diálogos tenebrosos, letreiros em fonte corrida e brilhante que surgem na tela em alguma fala impactante durante a exibição, mas sempre tendo em mente que a utilização destes recursos são meramente pontos de ligação com os mestres que fizeram possível a realização deste filme, ou seja, os longas que permitiram a existência de “John Wick”.
Assim, referências são notórias, ao mesmo passo que a originalidade de determinadas sequências são possíveis pela questão puramente material com que se trabalha a estética do projeto, o digital. A cena onde vemos uma dinâmica envolvendo dois cachorros, ou mesmo a perseguição de moto. Tudo isso a serviço de uma materialidade muito própria da franquia, recorrendo à estilização como um recurso misancênico acima de tudo, não apenas estético. Toda a plasticidade que aquele mundo guarda é fruto de uma necessidade do mesmo responder à sua organização diante da tela. A proposta é tão curiosa que leva a hipérbole, quando nem mesmo à estrutura das ações podem possuir uma dramatização crível, recorrendo ao humor, de ordem violenta, ou a absurdos narrativos que são quase exteriores à situações emergenciais, exemplo os vinte e cinco minutos finais.
Essa harmonia entre o excesso e uma consciência profunda de estar perpetuando algo que partindo de morais distintas é anacrônico, além da decupagem clássica-contemporânea, faz de “John Wick” um longa que é no mínimo um dos produtos de gênero mais curiosos de sua geração.