Ivan, O Terrirvel
O setentista e os malditos
Por Vitor Velloso
Durante o Festival de Brasília de 2020
O barato do Ivan Cardoso encontra um representante na colagem, não como se esperava, mas um recorte de saltos diante da tela. “Ivan, O Terrirvel” de Mario Abbade (de “Neville D’Almeida: Cronista da Beleza e do Caos“), possui um título de exposição ímpar e uma articulação de fazer jus ao próprio identificador do projeto. O longa-metragem quer achar um caminho para a homenagem, biografar e representar parte do estilo estético de seu cineasta. Apesar de se distanciar da fórmula comum dos documentários mais pragmáticos, o aqui presente se alinha com outra padronização: o documentário “cool”. É como se fossem blocos de sketch (esboços) internos, organizados através dos acontecimentos históricos e amparados pelo material de arquivo pessoal enxuto e pela alta quantidade de trechos de filmes. Dentro dessas secções, são pop-ups que surgem, colagens feitas na imagem, conduzindo sons inseridos para tentar gerar o riso, por exemplo.
Onde o projeto funciona em criar curiosidade para novos espectadores, diante da filmografia de Ivan Cardoso, parece se render a um alicerce televisivo e assumidamente tacanho, creditando a si mesmo o título de transgressor aos moldes de seu protagonista. “Ivan, O Terrirvel” não se organiza para evitar um constante movimento de “looping” que passa a ocorrer. A obra repete-se constantemente, como se replicasse o modelo dos takes anteriores, com piadas similares e colagens parecidas, afim de tentar estender a próxima dose. Se nos primeiros minutos a ideia aciona a invenção, a seguir o filme descamba ao comum. Se torna difícil manter o interesse vivo com tanta colagem e tentativas de comicidade, que além de falhas, soam datadas e fora do tempo cômico.
Abbade debruça-se em torno dos “malditos”, anteriormente Neville, agora Ivan. Se por um lado a proposta é interessante (polemizar diante de figuras de suma importância para o cinema brasileiro, no campo moral, estético, político etc,), por outro, traduz-se como pouco maduro quando esses retratos veem carregados de uma desenvoltura artificial e tentativas de alfinetar questões contemporâneas. Nesse balaio, “Ivan, O Terrirvel” parece se alinhar com “transas nostálgicas”, quase reacionárias, atrás desse sentimento “cool” já mencionado, mas não consegue concretizar acessar o sentimento que esteja distante das linhas expositivas corriqueiras. Tudo porque seu trabalho de colagem/montagem busca a obviedade dessas representações como uma argamassa que se apresenta frágil (sem provocações que não estejam no campo do corriqueiro, reiterando-se). E neste sentido, pouco se inova com relação ao último projeto, que se apresentou mais consciente das possibilidades da película.
O longa não apenas se apega demasiadamente aos recantos cinematográficos da saudade, como busca nos mesmos, uma orientação para se guiar diante das personalidades que são citadas e predileções dos cineastas. Um barato que termina em “cima do muro”. “Ivan, O Terrirvel” é um filme que se articula em torno de características que não são caras a própria estrutura ao utilizar dispositivos que tentam assimilar as estéticas conjuntas. Existe uma verve interna que não parece casar com as próprias intencionalidades, exatamente porque impõe parâmetros ao espectador. Não existe uma formalização dessa imposição como patrulha moral de uma estética ou da própria temática, mas esse barato fica entre tantas possibilidades de representação, que uma hora desemboca na desorganização, que não sabe mais por onde caminhar.
Os citados pop-ups parecem ainda construir didatismo para apresentar figurações para aqueles que os desconhecem, sem encontrar um público definido. Une-se nostalgia, mas o aliciamento à juventude se dá pelo “estilo Canal Brasil”. Onde há boa intenção, passamos a confundir com pretensas construções, pouco honestas em sua fonte basilar, pois se encerram como uma necessidade de retorno ao pensamento e à representação. Há uma espécie de primitivismo que encontra um amparo mimético na múmia. Seu diretor apenas acompanha.
“Ivan, O Terrirvel” está longe de ser uma obra que agride os olhos do espectador, mas não marca presença. Sua maior questão é acreditar se alinhar com o protagonista, pois acaba transparecendo uma decadência formal que recusa-se a trabalhar sua estrutura a partir de si. Reverencia-se excessivamente o homenageado-ídolo e não encontra muito sua “cara”. Uma debate que merece réplicas e tréplicas à luz da Marvel versus DC versus Zé do Caixão vs George Romero.