Inna de Yard – A Alma da Jamaica
Um ritmo de realidade
Por Vitor Velloso
Reserva Imovision
“Inna de Yard – A Alma da Jamaica” é um documentário que chega ao Reserva Imovision com um grupo que desafia o espectador a manter-se imóvel diante da tela. Entre “Row Fisherman” e “Be Careful”, cada vez que escutamos Boothe, Cedric e Winston McAnuff é um prazer indescritível. A lendária música de Mcanuff em uma performance emblemática e Cedric na tela já é um chamariz para assistir ao longa dirigido por Peter Webber.
A obra possui uma estrutura bastante didática e marcada, uma apresentação breve de alguns intérpretes, uma turnê por vir, memórias, conversa e as canções sendo gravadas. Esse arquétipo previsível ao longo da progressão, acaba prejudicando o próprio fluxo das criações e suas histórias. Em especial nos primeiros minutos, há uma série de recortes que tenta abarcar uma série de eixos distintos, que nunca retornam, apenas servem como caráter introdutório da importância do Reggae para o povo jamaicano, mas em uma perspectiva bastante enclausurada. Isso acaba encerrando a amplitude dos artistas, nesse espectro da memória, quando eles vão tomar a objetiva para si minutos depois.
Quando Cedric é introduzido em “Inna de Yard – A Alma de Jamaica” o filme ganha um outro tom e passa a compreender a própria temática central em tela e todas as lendas surgem ao mesmo tempo. Porém, falta uma homenagem devida à Matthew. Claro que a celebração é o cerne do longa, mas em cada depoimento existe parte das dores de um subdesenvolvimento, aliás Reggae é sobre uma realidade, expressão dela, em ritmo. “Row Fisherman” nos lembra parte das músicas de Caymmi sobre o mar e o trabalho da pesca. Então, quando parte dessas memórias não recebem a devida homenagem, o documentário parece estar se perdendo na própria materialidade da cultura que filma. De toda forma, o espectador recebe sua dose de recompensa todas as vezes que cruza algumas lendas da música.
Como um todo, soa como uma obra de divulgação sem a aproximação passional que existe em cada um desses artistas e a admiração mútua. Por essa razão, fica evidente que a direção britânica não vai a fundo no próprio material, soando como um projeto encomendado, e essa sensação nos distancia o tempo todo dos meandros culturais que a música abarca. As falas apaixonadas de Cedric, as dores de Mcanuff e a alegria pela música, as lições de Boothe, tudo isso apenas é projetado na tela, mas o filme não percorre esses sentimentos. A montagem é burocrática e apenas organiza uma conjuntura esquemática pouco eficiente. O barato meio minissérie pode funcionar em um lançamento para YouTube, mas como um longa, parece faltar uma série de materiais ou uma montagem que consiga fazer a coisa ficar mais rítmica.
“Inna de Yard – A Alma da Jamaica” é um misto de sentimentos, pouco consistentes e com variáveis que dependem diretamente da forma para absorver essa cultura em si, o que faz o negócio funcionar parcialmente e sem o impacto total. Mas para os fãs, é uma oportunidade de estar em uma roda de conversa e produção com alguns dos maiores artistas do planeta e esses momentos enquadrados geram alguns sorrisos inevitáveis. Caso o projeto fosse para o material de arquivo, estaria fugindo do eixo central da turnê, se direcionasse os esforços em cada uma das figuras, teria 10 horas de duração, mas o resultado final ainda soa excessivamente burocrático e pouco se encontra nesse meio todo. E toda essa ideia em torno de uma revitalização e troca entre as gerações ficam reservadas às performances.
Sem grandes questões com Matthew ou com a própria turnê em si, as histórias por trás das produções, como expressões dessa realidade, acabam sendo o grande chamariz que mantém o público interessado em um documentário que mantém um arquétipo pré-definido do início ao fim, seguindo uma receita lenta e arrastada com uma temática tão… oposta. Ainda assim, é uma produção que foge às temáticas europeias e estadunidenses, que chega ao streaming brasileiro como uma curiosidade no catálogo, mas a produção francesa e a direção britânica já entrega um pouco dos planos e suas normalidades…