Imuhira
Família, uma instituição
Por Vitor Velloso
Durante Festival de Locarno 2021
“Imuhira” de Myriam Uwiragiye Birara é um curta-metragem que sabe otimizar o tempo para construir as tensões de seus personagens. Aqui, os problemas da falta de afeto após o trauma de um relacionamento abusivo norteiam o projeto que reconhece em seus espaços as opressões.
A narrativa é direta, o retorno envergonhado para casa e um machucado na testa. As dimensões do problema são oferecidas de forma imediata e a construção é sucinta em sintetizar as dores de uma mulher que é escorraçada pela própria família por ser uma “vergonha”. E nessa linha o filme reconhece que não é necessário grandes explicações para o problema político e moral, já que o absurdo em si é apresentado como um recorte cultural. A montagem consegue dimensionar as relações de tempo e espaço de uma forma que o espectador fica apreensivo com o destino da personagem. Em uma sequência específica, o enquadramento dos pés sobre a água criam uma urgência para a narrativa e a montagem dinamiza os planos, entre desejos, escapes e desistências.
Esses contrastes do tempo fazem com que a empatia possa operar sem o fetiche de creditar a paisagem ao exotismo. “Imuhira” não pretende debater um problema social, mas expor seu absurdo e as consequências dele. O abuso que abre a narrativa, passa a ser um fantasma que assombra e deixa marca, contudo, o abuso psicológico familiar é um monstro ainda pior que vai minando as energias da protagonista. Não há diálogos após o drama ser apresentado, há opressões, gritos e empurrões. Nessa linha, o filme consegue dinamizar bem seus espaços, com uma montagem de contrastes, para criar um drama onde as representações são mais reais que performáticas. E é isso que assusta.
O maior mérito do curta é a consciência do impacto da linguagem de maneira imediata. Assim, consegue apresentar uma situação complexa, sem diálogos, de forma econômica e sem fetichizar os espaços. A dialética que não recorre à irracionalidade do consenso mercadológico.