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Homem com H

Ney Matogrosso sem Censura

Por Clarissa Kuschnir

Homem com H

Como é bom ver uma obra de ficção abordando a vida de um artista sem precisar reinventar ou omitir algumas passagens polêmicas e ainda assim fazer valer cada minuto do que sê vê na tela. E em “Homem com H”, cinebiografia de Ney Matogrosso, o diretor Esmir Filho (de “Os Famosos e os Duendes da Morte“) teve total liberdade para poder contar a história do artista, da forma mais verdadeira possível. E isto, foi dito da boca do próprio Ney, que afirmou, na coletiva de imprensa em São Paulo, que tudo o que estava ali aconteceu (e sem pudor nenhum). E “esse aconteceu” torna-se ainda mais verossímil com a interpretação irretocável e magistral de Jesuíta Barbosa, que encarna, “possuído”, Ney Matogrosso. Durante um pouco mais de duas horas, quando o ator assume no filme já em sua fase da adolescência para a fase adulta parece mesmo que estamos na frente de verdade de um dos artistas mais versáteis e queridos do nosso Brasil.

Não é à toa que Ney Matogrosso conseguiu todo o prestígio em sua carreira, o reconhecimento pela Banda Secos & Molhados” (nos anos 70) e se consolidando logo depois em carreira solo. Hoje, aos 83 anos, e com 50 anos de carreira, o cantor-performer ainda pulsa com uma vitalidade invejável, de alguém que sempre fez o que quis. É, depois que o filme acaba, nós passamos a entender um pouco mais a figura encantadora de Ney (que para mim além do artista, sempre inspirou muita luz e espiritualidade). A história conta que nada, nem ninguém, segurava o menino que nasceu Ney de Souza Pereira na pequena cidade de Bela Vista, muito próxima à fronteira do Paraguai, no Estado do Mato Grosso do Sul.  O Matogrosso adotado por ele não tem a ver com a cidade, mas sim com o sobrenome do pai (interpretado pelo ator Rômulo Braga), que era um Oficial da Aeronáutica e que, por ser militar e muito durão, não aceitava os trejeitos “efeminados” do filho. Diferente de sua mãe (vivida no filme por Hermila Guedes), que ainda está viva, e com mais de 100 anos, sempre apoiou o filho.

Antes de ser tornar cantor, a vontade de Ney era de ser ator (e isso ele também foi – já que tem em seu currículo: peças de teatro e cerca de 15 títulos em que participou, seja de filmes ficcionais ou documentários), mas esse não era o foco deste filme “Homem com H”. Esmir propôs-se a contar a vida do artista como cantor, com toda a sua versatilidade corporal, toda a sua criatividade para criar seus próprios figurinos e coreografias e todos os seus amores. E, sim, nosso Ney soube amar como ninguém, tanto homens, quanto mulheres. O interesse pelos homens já começou logo quando serviu a Aeronáutica, aos 17 anos, após ser expulso saiu de casa. Nossa personagem principal apaixonou-se por um colega o que acabou se tornando um amor platônico.  Sim, Ney serviu por dois anos a Aeronáutica em Brasília e era um dos mais disciplinados da turma. O que contrapõe com o multiartista rebelde e transgressor que conhecemos. 

Jesuíta Barbosa, nesta parte do filme em que serve a Aeronáutica, me fez lembrar de sua personagem: um soldado do Exército que interpretou em “Tatuagem“, de Hilton Lacerda. E que também era um jovem que se rebelou para virar artista e viver uma paixão homoafetiva com a personagem vivido pelo ator Irandhir Santos. Em “Homem com H”, Jesuíta (outro simbolismo invertido de rebeldia) teve que perder 12 quilos para viver Ney, que sempre foi muito magro. Em muitas cenas, a interpretação desse ator beira a perfeição (e com muitos elogios de Ney Matogrosso). É, não há como passar pela vida desse cinebiografado sem mostrar o erotismo (Ney sempre se emana muito ativo sexualmente); o período enfrentado pela ditadura, durante os Secos & Molhados; as drogas; seus shows inesquecíveis; sua paixão e aproximação com Cazuza; e a perda de seu companheiro pela AIDS. Está tudo aí e tudo de forma muita intensa. E esse fervor pujante, Esmir consegue passar com muita fluidez, de forma naturalista, em um roteiro redondo (baseado na biografia do jornalista Julio Maria).

“Homem com H” torna-se umas das cinebiografias com maior quantidade de músicas do cinema brasileiro (são 17), interpretadas logicamente por Ney e dubladas por Jesuíta, como por exemplo “Rosa de Hiroshima”, “Sangue Latino”, “Homem com H”, que originou o título deste longa-metragem. É um belo, fiel (ainda que ficcionalmente) e impecável retrato musical de  Ney Matogrosso, que emociona em diversos momentos, inclusive pelos figurinos do próprio cantor). E tecnicamente, “Homem com H” é complementado com uma detalhada direção de arte de Thales Junqueira (de todas as décadas que se passam no filme) e com a fotografia de Azul Serra, que tem em seu currículo as séries “Senna”, “Cangaço Novo” e os longas “A Turma da Mônica: Laços” e “Aos Teus Olhos”. Esta é uma obra que tem de tudo para levar o público aos cinemas, assim como Ney Matogrosso faz durante cinco décadas. E muito bem, obrigado!

5 Nota do Crítico 5 1

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