HISTÓRIAS DO CINEMA EM QUESTÃO: AS INDÚSTRIAS DE SONHOS, no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro, é uma série de oito palestras que traçam um breve panorama dos cinemas brasileiro e americano, especialmente em algumas de suas manifestações mais representativas.
O evento quinzenal, toda terça-feira, de 23 de fevereiro e 01 de junho de 2010, que tem entrada gratuita, com a retirada de senhas uma hora antes, estimula a memória do cinema brasileiro e internacional pelos olhos de convidados que fizeram fama no meio cinematográfico.
Saroldi apresenta o quinto encontro do “gênero cinematográfico, em fotografia de alto contraste e preto-e-branco” FILM NOIR: O MISTÉRIO DE COR CINZA. O mistério e o encanto de um gênero que, apesar do nome francês e de importantes filmes na França, ganhou forma definitiva em Hollywood a partir dos anos 40.
O nosso palestrante pesquisa cinema e música desde as calças curtas”. Colecionador de filmes e discos, ávido leitor e pesquisador de musica popular e trilhas sonoras. Cinéfilo desde os 15 anos.
Sergio Batista
Sou economista de formação. Era sócio de uma empresa que foi um fracasso. João (Máximo), um amigo, apesar de ser tricolor, ajudou-me. Todas as palestras são complicadas para mim, porque reúno muito material. Sou perfeccionista. Dos 23 filmes pesquisados, passei para dez. Agradeço a delicadeza da apresentação do Saroldi. Film Noir é uma expressão francesa de um gênero americano criado na América ou é uma tendência artística dentro de um gênero macro? Eu mesmo tenho duvidas sobre a temática.
Fiz um ciclo de palestras “Encontros às quintas” ilustradas sobre o cinema e imagem na Modern Sound, e tento patrocínio para continuar depois de três anos. Aqui está vazio, não sou muito prestigiado. Talvez seja o jogo Flamengo e Corintians. Ele diz para suavizar o descontentamento.
Quando disse que ia fazer uma palestra sobre Film Noir, houve cinco segundos de perplexidade total de pessoas, porque há muita confusão no termo Noir. Em 1945, a França já libertada da Alemanha. Uma editora lançou Series Negras, encadernadas em preto com o titulo em dourado. O termo film noir (do francês, filme negro) foi atribuído pela primeira vez a um filme pelo crítico francês Nino Frank em 1946. Dizer que francês não é pretensioso, não é verdade.
Três elementos estéticos. Alto contraste de sombras e luzes (luz que grita para sair, câmera baixa e dimensão ainda mais do que realmente é); profundidade de campo (foco no personagem) e travellings longos. As músicas eram soturnas e ameaçadoras.
Sombras dramáticas, alto contraste, iluminação low key. Película em preto-e-branco, resultando numa razão de 10:1 do escuro para o claro, ao contrário da razão de 3:1, dos filmes tradicionais. Sombras de venezianas sobre o rosto de um ator enquanto ele olha através da janela são um ícone visual no film noir, já tendo se tornado um clichê. O film noir também é conhecido pelo uso de ângulos de câmera não-convencionais e lentes grande-angulares. Outros dispositivos de desorientação utilizados nos film noirs incluem pessoas filmadas em espelhos, ou contra múltiplos espelhos, filmagens através de vidros, e múltiplas exposições.
Exibidos trechos dos filmes “Império do Crime” (1955) e “Força do Mal” (1948). O primeiro, “The Big Combo” (no original), é dirigido por Joseph H. Lewis. Com Cornel Wilde, Richard Conte, Brian Donlevy, Jean Wallace, Robert Middleton, Lee Van Cleef, Earl Holliman, Helen Walker, Jay Adler, John Hoyt, Ted de Corsia, Helene Stanton, Roy Gordon, Whit Bissell, Steve Mitchell. O tenente de polícia Diamond recebe ordens para interromper a vigilância que fazia do sr. Brown, suspeito de ser chefão da máfia, pois a operação estava custando muito dinheiro ao departamento sem dar resultados. Diamond faz uma última tentativa para conseguir provas, aproximando-se da namorada de Brown, Susan Lowell. O segundo “Force of Evil” no original é dirigido por Abraham Polonsky. Com John Garfield, Thomas Gomez, Marie Windsor. Joe Morse (John Garfield) é um inescrupuloso e ambicioso advogado que, representando o chefe do crime Ben Tucker (Roy Roberts), quer unificar todo o “jogo do bicho” em uma única e poderosa organização. Os filmes possuem uma iluminação sui-generes, única e incidental nos detalhes.
Houve o iluminismo do filosofo da Genebra, Jean-Jacques Rousseau, do século XVIII a Revolução Francesa. Buscava-se o individualismo. No século seguinte, o pensamento estético era levado ao extremo com o romantismo germânico. Em 1871, a Alemanha era a maior potencia. Eu acho que a estética é uma coisa óbvia, é um estado de espírito do povo que a cria. Final do XIX, Friedrich Wilhelm Nietzsche, filosofo alemão, pregava mudanças. Uma nova arte foi apresentada: a fotografia. Depois o cinema. Cria-se o Expressionismo alemão e muda tudo. Com isso, o artista tem a sua própria visão. A Segunda guerra, que foi uma continuação da primeira, deixou este estilo capengando. Veio o Caligarismo (por causa do filme “O Gabinete do Dr. Caligari”), que privilegiava “estranhos” efeitos de luz e sombra. Exemplos: “Metropolis”, “Nosferatu”, “a última gargalhada”, eram pessimistas e tristes.
Sob o jugo do Nazismo, muitos diretores importantes foram forçados a emigrar (incluindo Fritz Lang, Billy Wilder e Robert Siodmak). Eles levaram em sua bagagem técnicas que desenvolveram (principalmente o ponto de vista subjetivo e psicológico) e fizeram alguns dos mais famosos films noirs nos Estados Unidos. Marlene Dietrich, uma das atrizes. Quase toda música era germânica. Os Estados Unidos é capaz de acolher e integrar em seu meio artístico. O cinema americano, linear e comum, muda e influencia-se com a quantidade de artistas estrangeiros. O período é de 1941, com “Relíquia Macabra”, até 1958, com “A marca da maldade”.
Exibe “Relíquia Macabra” (1941). “The Maltese Falcon” no original, é um romance policial de 1930 do escritor americano Dashiell Hammett, originalmente lançada como série na revista Black Mask. Dirigido por John Huston. Com Humphrey Bogart, Mary Astor, Gladys George. Considerada uma das melhores obras do autor, sua trama foi adaptada diversas vezes para o cinema; o personagem principal, Sam Spade, aparece apenas neste romance e em três contos menos conhecidos, porém é citado como uma das figuras responsáveis pela consolidação do gênero do romance noir. Philip Marlowe, por exemplo, o personagem de Raymond Chandler, foi fortemente influenciado pelo Spade de Hammett, que já era uma evolução a partir do detetive sem nome e bem menos glamouroso criado pelo próprio Hammett em The Continental Op. Sam Spade reuniu diversas características de detetives anteriores, mas especialmente sua frieza, sua atenção para os detalhes e sua determinação incansável para conseguir sua própria justiça. É o homem que consegue ver o lado corrupto e perverso da vida sem perder seu “idealismo manchado”. Os diálogos são sarcásticos, cruéis, sinceros e cínicos. As cenas são filhas do expressionismo. A figura da mulher fatal, o herói mais próximo da realidade, os vilões não tão antipáticos, com isso cria-se uma nova idéia.
Se o Saroldi dissesse que só teria quinze minutos e um filme, eu escolheria “Pacto de sangue” (1944), um dos vinte melhores que já vi. Dirigido por Billy Wilder, que era um verdadeiro tirano com o roteirista. A fotografia é fantástica. Texturas da luz. Dá pra se ver as poeiras. Quanta escuridão pode ser colocada em um enquadramento! Exagera o estilo preto-e-branco, exemplificando a cor interna de seus personagens. Com Fred MacMurray, Barbara Stanwyck, Edward G. Robinson, Fortunio Bonanova, Jean Heather, Porter Hall, Tom Powers, Byron Barr, Richard Gaines, John Philliber. O corretor de seguros da Pacific All-Risk Walter Neff conhece a sedutora Phyllis Dietrichson e ambos se apaixonam rapidamente. O único senão é que Phyllis é casada. A femme fatale convence Walter a realizar um plano macabro: assassinar o sr. Dietrichson após fazer uma apólice de seguros para ele.
“Laura” (1944). Dirigido por Otto Preminger. Com Gene Tierney, Dana Andrews, Clifton Webb, Vincent Price, Judith Anderson, John Dexter, Ralph Dunn, Dorothy Adams, James Flavin, Lee Tung Foo. Um detetive se depara com uma intrigante descoberta em sua investigação, a diretora de agência de propaganda assassinada, na verdade, continua viva. Há uma certa artificialidade que atrapalha a trama. Personagens pernósticos e inervantes. Ela se apaixona pelo policial em dois segundos. Como curiosidade, Frank Sinatra gravou a canção Laura. Nítida paixão em cena. Planos longos e ações detalhistas. Muitos reflexos. Fusões para expressar tempo. Aproximações (zoom in e zoom out). Cena de impacto psicológico.
“Os assassinos” (1946). “The Killers”, dirigido por Robert Siodmak. Com Burt Lancaster, Ava Gardner, Edmond O’Brien, Albert Dekker, Sam Levene, Donald MacBride, Charles D. Brown, Vince Barnett, Virginia Christine, Jack Lambert. Dois assassinos profissionais matam um frentista e um investigador da companhia de seguros resolve investigar o caso apenas aparentemente trivial. Foi refilmado em 1964, por Don Siegel, inspirado em conto de Ernest Hemingway. Os travellings (continuidade dos movimentos) são longos, sem interrupção e sem cortes. A grua cobre o desenrolar da ação.
“A beira do abismo” (1946). “The Big Sleep”, dirigido por Howard Hawks. Com Humphrey Bogart, Lauren Bacall, John Ridgely, Martha Vickers, Dorothy Malone, Regis Toomey, Bob Steele, Peggy Knudsen, Charles Waldron, Charles D. Brown. O detetive particular Philip Marlowe é contratado para ficar de olho na filha caçula de uma família rica, mas acaba se envolvendo num complexo caso de homicídios, chantagem e se apaixonando.
“Pacto sinistro”, de Alfred Hitchcock (1951). Há a cena sutil da imagem sendo vista pela lente do óculos que caiu. “A morte passou por perto”, de Stanley Kubrick. Eram filmes de baixo orçamento, que era uma das características do cinema noir.
“A marca da maldade” (1958), dirigido por Orson Welles. Com Charlton Heston, Janet Leigh, Orson Welles, Marlene Dietrich, Joseph Calleia, Akim Tamiroff, Dennis Weaver, Ray Collins, Mercedes McCambridge, Joseph Cotten, Zsa Zsa Gabor. Um policial mexicano casa-se com uma americana e vai passar a lua-de-mel numa cidade da fronteira, onde ambos se envolvem em vários incidentes que levam o policial a um confronto com o chefe de polícia do lado americano, um detetive corrupto que utiliza qualquer meio para deter o poder. O maior travelling, perdendo somente para “O jogador”, de Robert Altman.
No cinema noir, tudo é coordenado incrivelmente. Não restrito aos Estados Unidos. Tinha o realismo poético francês. Os bandidos possuíam código de honra. Havia voz em off (narração), que dizia o que se passava na alma do personagem. Flashbacks. Ambientação quase de noite e esfumaçada. Alguns usavam ombreiras charmosas. Sobretudo para o policial vira uma norma. Pequenos conjuntos de jazz tocando ao vivo. Cigarros. Tramas elaboradas. Personagens ambíguos. Sexo e violência recorrentes. Preferência ao primeiro plano.
Respondendo a pergunta do inicio. É um gênero que sobrevive até hoje. Personagens são tipicamente americanos com mérito americano (de saber utilizar técnica e dinheiro). Eles pegam e melhoram. Dos mais novos, estilo noir colorido: “Chinatown”, “Um lance no escuro”, “Corpos ardentes”, “Dália negra”, “Ilha do medo”, “Diabolique” (refilmagem de “As diabólicas”, de Clouzot), “O homem que não estava lá” (dos irmãos Coen), “Los Angeles – Cidade Proibida”.
“Colecionar Scores (trilhas sonoras) é coisa de doentes. O homem não foi feito para trabalhar. Era um charme para fumar. Orson foi estudar na Alemanha. Não esquecer de “Anjo Azul”, “Cidadão Kane”, “A dama de Xangai”, “O mensageiro do diabo”. “Ostracismo do cinema alemão após a guerra”, algumas digressões que terminaram a sua palestra.
Personagens: femme fatale, protagonistas moralmente ambíguos e alienados, bodes expiatórios, personagens violentos ou corruptos.
Ambientes: urbano, contemporâneo, locações exóticas ou remotas, casas noturnas e/ou clubes de jogos/apostas.
Elementos cinematográficos: fotografia em preto-e-branco, ou em cores lavadas (não-saturadas), ângulos baixos de filmagens, ângulos incomuns e técnicas expressionistas de fotografia, seqüências e efeitos visuais incomuns, cenários noturnos e interiores sombrios, uso de narração.
Elementos temáticos: senso de fatalismo, obsessão sexual/romântica, corrupção social ou humanitária inerente, emboscadas, niilismo.
Elementos de roteiro: intrincado, flashbacks, sobreposições narrativas, presença do protagonista em praticamente todas as cenas, história contada sob perspectiva criminal, assassinato ou roubo como centro da história, falsas acusações, traição, inevitabilidade do fracasso do protagonista, final em aberto ou ambíguo.