Hebe – A Estrela do Brasil
A Hebe dos bastidores
Por Marcelo Velloso
Durante o Festival de Cinema de Gramado 2019
“Hebe – A Estrela do Brasil” trata-se de um recorte da vida da Hebe que já se encontra consagrada como apresentadora, num momento de enfrentamento com a censura e com seu ciumento marido. A figura da Hebe aparece com toda sua força, com seus discursos destemidos e diretos nas câmeras, com toda sua imponência que acaba incomodando não só a sua censura, mas também às figuras masculinas do filme, desde os produtores da TV, passando pelos políticos e atingindo também ao seu marido Lélio Ravagnani (Marco Ricca).
Entende-se que a intenção do filme “Hebe – A Estrela do Brasil”(2019), de Maurício Farias (de “Vai que dá Certo“), seja mostrar a apresentadora por uma perspectiva a partir dos bastidores. A obra pretende revelar um lado pouco conhecido pelo grande público, no entanto um filme que leva o nome de “Hebe – A Estrela do Brasil” não deveria esconder tanto a imagem da cantora, até mesmo para facilitar o reconhecimento por parte do público e a identificação da personagem central com a sua figura tão marcante. Uma personagem tão expressiva e com marcas gestuais como a Hebe não podia ser escondida.
Em momentos cenas importantes, com diálogos e reações marcantes, a câmera escapa da figura da Hebe para captar a reação de outros personagens, como numa de suas cenas com Cláudio Pessutti (Danton Mello) quando a mesma cai no choro, por exemplo. E isso não acontece só com a figura da Hebe, mas também com outros personagens, como na cena com Silvio Santos, interpretado pelo ator Daniel Boaventura e com Roberto Carlos no palco, vivido pelo ator Felipe Rocha. Foi visível a preocupação dos personagens não serem apresentados de forma caricata, por meio das imitações já tão conhecidas, o que é uma sábia decisão, só que parece que as câmeras resistem em não captar a imagem frontal dos personagens, desnecessariamente.
A fotografia de “Hebe – A Estrela do Brasil” traz bons momentos, principalmente nas cenas internas do lar da apresentadora. Destaque para a cena da Hebe dançando com Lélio Ravagnani e do plano-sequência da chegada da apresentadora em seu lar.
A composição da personagem principal por parte da atriz Andréa Beltrão é certeira e não vão ao cinema esperando uma imitação, pois isso não acontece. O que se encontra é uma Hebe crível, com toda a sua energia, gestos e sotaque sem exageros. A imponência está no corpo, na atitude ao falar e na bela caracterização que ajuda muito. Fica um desejo de ver a imagem da Hebe de Andréa Beltrão de frente em diversos momentos, mas por uma escolha da direção acabamos perdendo possivelmente bons momentos da atuação de Andréa Beltrão. É bom reforçar isso.
Uma observação que não pode passar batida é o fato de Hebe Camargo ir até um hospital público em duas visitas ao seu amigo que se encontra internado e a mesma não ser reconhecida pelos corredores, mesmo que vestida extravagante, como sempre andava. Isso gera certo estranhamento no filme.
“Hebe – A Estrela do Brasil” além de trazer a apresentadora militando contra a censura, o traz a apresentadora em defesa do movimento LGBT, mesmo a homossexualidade do seu filho sendo tratada como tabu dentro de casa. As cenas dentro da casa da Hebe são muito bem filmadas e conseguem nos passar toda tensão da vida pessoal de Hebe. O filho da apresentadora, Marcello, cumpre o papel de apaziguador dentro daquele universo. Personagem esse que tem afinidade com os empregados da casa, mantendo uma relação inclusiva e não se identificando com o universo elitista frequentado pela mãe. Caio Horowicz dá conta do papel.
O filme aborda também a questão da contradição política de Hebe levando em conta que a apresentadora não aceitava ser rotulada, mas falava pelas minorias e ao mesmo tempo apoiava Paulo Maluf, político da direita e com histórico de envolvimentos em caso de corrupção. São boas as cenas de discursos da apresentadora.
Enfim, apesar de “Hebe – A Estrela do Brasil” mostrar algumas entradas da apresentadora em seus programas, a intenção é apresentar ao público o lado pouco conhecido. Portanto, ir ao cinema esperando que o filme mostre a história da apresentadora e sua ascensão na carreira pode gerar frustração, afinal o que temos é um corte da sua vida com períodos de enfrentamentos. Vale ressaltar que isso não tira a qualidade do filme, pelo contrário, evita que caia em erros que outras obras biográficas do cinema caíram.