Hava, Maryam, Ayesha
O que une
Por Vitor Velloso
“Hava, Maryam, Ayesha” de Sahraa Karimi é um drama do Afeganistão que procura expor as opressões cotidianas às mulheres. É sempre muito delicado utilizar palavras categóricas para expressar o que ocorre em países Islâmicos, tendo em vista que parte dessa interpretação é Ocidental e cristã. Porém, não é o foco do texto debater em torno disso.
O filme possui uma estrutura que se divide nas personagens apresentadas no título, com diferentes idades, problemas (em parte) e classes sociais. Os eixos são apresentados de maneira paralela, sem relações diretas. O espectador assiste as histórias de forma seccionada, o que gera uma certa confusão, pois a falta de um entrelace faz com que as coisas estejam sempre em suspenso, com pouca densidade quando a proposta final é exposta. A decisão final foi optar pela finalização de cada uma dessas narrativas, para apresentar uma coisa em comum entre elas, próximo ao fim. Isso faz com que o drama das personagens seja explorado por uma sequência maior, permitindo que o espectador consiga uma aproximação maior com as protagonistas, por um tempo “ininterrupto”. Fortalece a base dramática e criam outras camadas nessa estrutura, como discussões sociais, políticas e econômicas a partir da própria condição de vida. A primeira história é particularmente “convidativa” nesse sentido.
Contudo, “Hava, Maryam, Ayesha” perde muito impulso com esse tempo dilatado entre os blocos, pois quando o desenvolvimento consegue engrenar e o público já está se afeiçoando à personagem, há uma troca. E toda vez que um universo novo é apresentado, temos a repetição da opressão à mulher e uma misoginia que atua de múltiplas maneiras, desde instituições à formas de poder. O corpo feminino é o que une essas histórias e suas decisões, ou a falta de possibilidade de toma-las. Aqui, a necessidade de compreender cada situação a partir de suas classes sociais é fundamental, pois a projeção de cada uma das violências é refletida de maneira drasticamente diferente em cada uma das protagonistas. Nesse sentido, a diretora também modifica parte de sua abordagem nos eixos propostos. O primeiro possui um rigor mais claro, até na escolha que amplia o enquadramento para uma apresentação geográfica deste lugar. Há poucos movimentos de câmera explícitos e a objetiva procurar centralizar sua protagonista à margem dos espaços, deslocando-a de acordo com suas ações, que normalmente desafiam sua gravidez.
A partir da segunda, há uma postura distinta da obra, uma contemplação que já não procura a margem, aliás sua classe social é completamente distinta, mas o exercício de explicitar essa opressão passa por aquilo que não está na tela. É interessante pensar no funcionamento dessa sequência pois a relação de espaço e tempo são construídas a partir de outra ideia. Agora o espaço é materialmente enclausurado e o drama da personagem é atravessado por um tempo que não permite uma fácil distinção. Um exemplo dessa relação é a cena em que a câmera faz uma breve panorâmica que se inicia em seu rosto, passa por uma cortina e retorna ao seu rosto, já em outro lugar do cômodo. Aqui existe um efeito de fade que tenta falsear essa transição, torná-la invisível, não funciona muito bem, mas deixa claro que são dois tempos diferentes.
“Hava, Maryam, Ayesha” prepara terreno para o terceiro eixo, que acaba aproximando mais o drama do espectador, nos coloca nessa situação de forma mais direta e desafia a própria privacidade dessa mulher que tenta a todo custo resolver determinadas questões sem que haja interferência externa. É a mais dinâmica das sequências, mas sofre com a perda de embalo do espectador diante das oscilações agudas das narrativas anteriores, em especial a segunda. A falta de um projeto sólido para cadenciar entre as diferentes protagonistas, geram vácuos irremediáveis ao fim da projeção. Ainda que a costura final possua uma força visível, é difícil se manter motivado para receber o impacto do último plano. A sequência final possui um fluxo extremamente definido e os espaços passam a convergir para uma centralização muito imediata dos movimentos que as personagens realizam, mas quem estará de pé e com vigor para acompanhar isso… é outra questão.
Uma informação relevante: Sahraa Karimi é a única mulher com doutorado em cinema no Afeganistão.