Halloween Ends
O Halloween acaba e o Horror começa
Por Bernardo Castro
Durante o Festival do Rio 2022
My grandmother was right. Boogeyman was real (Minha avó estava certa. Boogeyman era real), de Allyson, em “Halloween Kills”. Uma prática comum no cinema comercial é revisitar os seus grandes sucessos, explorando inextrincavelmente os universos expandidos criados a partir deles. Seguindo esta fórmula, o clássico de terror Halloween, que introduziu ao mundo do terror o icônico Michael Myers – que não é o ator, busca uma conclusão para o infindável embate entre a Laurie Strode – revivida por Jamie Lee Curtis (Everything, Everywhere All at Once”, “Entre Facas e Segredos” e “Sexta-Feira Muito Louca”) – e o assassino. “Halloween Ends” sucede os recentes “Halloween Kills” (2021) e “Halloween” (2018). Na trama, Laurie tenta seguir com a vida após os acontecimentos prévios a obra, mas Myers continua foragido e um novo mal ameaça despertar e imergir a pacata cidade de Haddonsfield em trevas novamente. Quem assina a direção do novo longa é o realizador americano David Gordon Green, em parceria com a produtora Blumhouse, responsável pelo recente “Telefone Preto“, também deste ano.
Munido do saudosismo que o clássico evoca, o roteiro é construído de forma a delegar a tarefa de gerar envolvimento entre espectador e obra a partir de referências diretas ao filme de 1978. Faltou, no entanto, a preocupação com a construção de uma história concisa, coerente e falas com um mínimo de verossimilhança. Ironicamente ou não, o verdadeiro terror nessa sequência é o roteiro. A sucessão de cenas viscerais na segunda metade do filme obtém êxito em distrair o espectador dos infindáveis furos de roteiro e do desenvolvimento apressado dos personagens e de suas relações. Porém, a primeira metade não é agraciada com as matanças irracionais, dependendo da força inexistente dos diálogos jogados ao léu. A impressão que se passa é de que tudo acontece por mera conveniência narrativa, abraçando vários clichês e arquitetando-os de maneira extremamente preguiçosa e impossível de suspender a descrença ou assimilar o público na ficção. O vínculo entre as personagens é tecido de forma desleixada e com uma celeridade desnecessária, a ponto de causar tal estranheza.
A paixão entre Allyson e Corey, interpretados por Andi Matichak (“Orange is the New Black”, “Bathroom Talk” e “Blue Bloods”) e Rohan Campbell (“The Hardy Boys”, “iZombie” e “Virgin River”) respectivamente, beira o caricato, sendo difícil de aceitar e causa uma estranheza inefável no observador médio. As atuações não são de tudo decepcionantes, mas nem a pujança dramática de Jamie Lee Curtis conseguiu atenuar o estrago de um enredo mal elaborado. A fotografia no geral é bem padrão, sem muitos sobressaltos ou inovações estéticas, com exceção de alguns match cuts na segunda metade e dos enquadramentos do vilão atrás da moita, que é a marca registrada de Halloween. A trilha sonora é genérica e imemorável, não conferindo o sentimento que se propõe a conferir em virtude das situações forçosas, a exemplo dos passeios de moto do casal protagonista.
O final de “Halloween Ends”, como já dito, é permeado de momentos viscerosos e inescrupulosamente violentos e, se separados do restante das cenas, poderiam servir de desfecho para uma versão alternativa decente, acatando com a incumbência de fechar com chave de ouro a trilogia. É válido ressaltar a abordagem metafísica ou filosófica em detrimento de explicações sintéticas e preguiçosas de como o mal se manifesta e afeta as vidas dos habitantes da cidade – algo que, se mais bem explorado, poderia poupar o reles espectador das inúmeras e incongruentes convenções utilizadas para alicerçar o enredo, que cometem o ultraje de questionar a inteligência do seu público.
Indo na contramão do revisionismo estético dos últimos anos, onde os filmes de terror ganham uma nova roupagem conceitual, “Halloween Ends” dá continuidade à queda vertiginosa iniciada em “Halloween Kills” – um verdadeiro desrespeito à John Carpenter e aos idealizadores deste universo. Apesar do fim honroso, que faz jus à tão aclamada franquia, o longa-metragem como um todo é uma aula de como não se produzir um filme e muito menos de como se escrever um script. Salvo os momentos de terror e o apelo que estes têm com os frequentadores assíduos das salas de cinema, não há nada que salve a história do vitupério e deixe de a relegar ao ostracismo – ou pior, ao esquecimento. Ao menos, dá-se o tão ansiado descanso ao assassino, sentenciado a não retornar em outra péssima continuação.