Fuga de Pretória
O pragmático e o recorrente
Por Vitor Velloso
A subtemática de “fugas de prisão” é sempre uma pontualidade da indústria cinematográfica. Uma formalidade para manter os espectadores fãs do gênero presentes nas salas de cinema. Aqui, o filme de Francis Annan é uma obra que não pretende ser um novo clássico, muito menos protagonizar o estilo no ano. “Fuga de Pretória” está direcionado ao entretenimento com um pano de fundo político da África do Sul, no período do Apartheid.
Igualmente despretensioso, o longa se recusa em ir a fundo na análise crítica do período histórico, o brio principal está centralizado em compreender algumas movimentações que diferenciam o filme da padronização corriqueira, ainda que assuma algumas recorrências durante seu progresso. Constantemente, o espectador se pega assistindo à um filme que não soa tão medíocre quanto sua campanha de divulgação, mas jamais é capaz de tornar-se sólido diante de si. São vícios de linguagem que ganham corpo e torna suas variações verdadeiros monumentos de produção em massa. Isso porque os esforços concentrados em manter uma unidade complexa na trama, acabam fragilizando resoluções dramáticas que soam grosseiras no decorrer da história. Assim, “Fuga de Pretória” não pavimenta suas ações, o suficiente, para algum destaque em meio aos lançamentos, nem mesmo como uma opção de consumo que valha a pena o risco.
Pois, no fim, o que temos são jogos formais com esses clichês, que apesar de criarem alguma expectativa, resume tudo ao pragmatismo dessa produção industrial que vai conseguir encantar a percepção de alguns, pois possui dispositivos e recursos que situam um eixo à parte, sempre vislumbrando um atravessamento na narrativa, e ainda que consiga em determinados elementos da obra, sempre retorna ao vale do comum. Reconciliando com as cifras a serem conquistadas, o produtor à agradar. Tais amarras, viram graves empecilhos para que o projeto desemboque nesta secção do corriqueiro ao particular. Acaba acreditando em suas referências como levantes perante ao pragmatismo industrial, mas deturpa no excesso de arquétipos e investidas em um dramalhão que não leva a lugar nenhum. A trilha sonora acompanha essa movimentação circular da obra, sempre naquela questão uníssona de mimetizar algum acontecimento na narrativa para engatilhar um engajamento do espectador.
Mas a desarticulação no discurso político, acaba dando a tônica da inocuidade idealista da obra. O humanismo e a moral ganham corpo, a dignidade é um assunto paralelo, o enfrentamento ideológico se dá em privatização de espaço, tempo e comunidade política. É uma espécie de recorrência da vertente particular como forma cinematográfica. Mas aqui, deve ser dito que há alguns méritos. Principalmente na maneira como as tensões são criadas em tempo de urgência, no cálculo irremediável, no risco inevitável. Algumas cenas são realmente conscientes de seu efeito, tornando palatável parte do processo de sobrevivência, conseguindo ser firme no distanciamento de orgulho e dignidade, mas sabendo unir os dois enquanto formato de personagens. Daniel Radcliffe consegue interpretar algumas nuances, físicas, dessa partitura do caos interno, do regime que cria o volátil para reverberar solução. E a questão de isolamento aqui, parece ser uma sombra totalizante desse contexto, o que é bem vindo.
Por fim, “Fuga de Pretória” possui méritos vívidos em tornar seus protagonistas, uma reação orgânica de como o regime engole essas liberdades que aqui individuais, atingem diretamente a sociedade enquanto comunidade, algo que é reforçado nos primeiros minutos de rodagem. Mas por comodismo, o filme acaba derrapando nessa unidade de pensamento, que inverte a base da crítica para que torne-se mais palatável ao grande público. A inversão possui um valor político intrínseco aqui, reforçando algumas problemáticas dessa capitalização dos recursos diante do mundo. É sempre uma soma, que reverbera ao todo, é uma base anti-materialista por si só, quebrando parte da compreensão dialética dessa narrativa que torna basilar a leitura de uma sociedade que se corrompe através de suas convicções.
Onde o longa acerta, parece ter medo de suas convicções para ir mais longe e supérfluo que fica, vira ornamento industrial para a coleção de distribuição durante a reabertura dos cinemas brasileiros. Não vai alcançar grandes feitos, mas servirá para levar o isolamento também a ficção do entretenimento. Faca de dois gumes. E agora que atitudes tacanhas vem sendo tomadas diante do atual momento, nos resta lavar as mãos e limpar a consciência.